05/10/2016

FRANCISCO SEIXAS DA COSTA

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A minha amiga búlgara

Eu também tenho uma amiga búlgara. Chama-se Irina Bokova e é concorrente ao lugar que António Guterres pretende obter nas Nações Unidas.

Tornei-me amigo de Irina há quase vinte anos, quando ambos éramos secretários de Estado dos Assuntos Europeus, nos nossos respetivos governos. Estive em Sófia a seu convite, tive o gosto de a receber em Lisboa por esse tempo.

Um dia, o partido de Irina perdeu as eleições na Bulgária e ela abandonou o governo. Quando mais tarde voltei a Sófia, tendo já outra contraparte búlgara, pedi ao nosso embaixador para, num jantar na sua residência, convidar Irina Bokova. Recordo a nota comovida que então deixou, por eu ter querido permanecer fiel à amizade criada. E ficámos em contacto a partir de então.

Tempos mais tarde, um amigo comum, Georgios Papandreou, que viria a ser primeiro-ministro grego, convidou-nos a ambos para integrar o círculo de reflexão política que anualmente organizava na Grécia, durante uma semana, o Symi Symposium. E assim, durante cinco anos, com as nossas famílias, encontrámo-nos nesses interessantes debates. E vimo--nos, entretanto, com as nossas famílias, em Nova Iorque, num divertido jantar.

Quando ainda estava no Brasil, já de partida para Paris, recebi um recado de Irina. Ela tinha desempenhado as funções de ministra dos Negócios Estrangeiros do seu país e concorria ao lugar de diretora-geral da UNESCO. Gostava de ter o apoio português para essa sua pretensão e, com naturalidade, recorria ao seu amigo português. Fiz as minhas sondagens em Lisboa, tendo verificado não ser ela o candidato que Portugal iria apoiar. Disse-lho já em Paris, num jantar que lhe ofereci. Nada mudou entre nós.

Mesmo sem o voto inicial português, Irina Bokova foi eleita diretora-geral da UNESCO. Vimo-nos bastante em Paris por esse tempo, mesmo antes de, por uma suprema ironia, eu próprio ter sido entretanto nomeado, em acumulação com o cargo que já desempenhava em França, como delegado português junto da UNESCO. A última vez que encontrei pessoalmente Irina Bokova foi na visita de despedida que lhe fiz, em inícios de 2013, em que lhe ofereci uma peça fotográfica de Jorge Molder, enviada por Portugal para a coleção artística da organização, numa decisão sob minha insistência que teve a assinatura do então secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas.

Irina Bokova surgiu entretanto como candidata a secretário-geral da ONU. Portugal tinha o seu próprio candidato, António Guterres. Que, naturalmente, foi o meu candidato. Mas nem por isso vou perder essa querida amiga búlgara, de há muitos anos.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
05/10/16

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