30/08/2016

MIGUEL GUEDES

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Foram as algas

E as folhas no caminho. Foi com uma combinação de factores externos que Fernando Pimenta, campeão europeu de canoagem, justificou o 5.º lugar na final de K1 1000 metros antes de baixar o pano verde e amarelo nos Jogos Olímpicos. Após a prova, interrompeu o choro de desânimo pela necessidade de explicar e logo muitos saltam do sofá onde permaneceram enfiados todo o ano para confundir explicação com justificação. Mas Fernando Pimenta, como tantos outros que se "limitaram" a terminar provas entre os dez primeiros à escala planetária, não tem de se justificar. Sinal dos tempos, muitos dos "desfazedores" de personalidade profissionais das redes sociais não conhecem outra profissão. Não percebem a relevância dos obstáculos inesperados, mas não resistem a retirar do baú o seu passado de prática desportiva durante dez intermitentes meses na escolinha de futebol do tio ou dos saltos para a água a que não têm coragem de chamar mergulhos na piscina de verão que até aparentava ter dimensões olímpicas. É só ler o mundo pelo feed para ir fundo. Parece que todos, sem excepção, estão sujeitos à crítica. Menos os críticos.

No dia em que um radialista não se queixar do ruído que lhe aparece na via no momento do directo, talvez compreenda. No dia em que um artista não lamente o desequilíbrio do som de palco e o feedback inesperado, também. Na ocasião que não faça o ladrão queixar-se da velocidade do veículo policial ou o agente da autoridade censurar o custo das tão antigas fardas, tremo. Quando todos os "desfazedores" pararem de lamentar o jogo de sorte e azar das circunstâncias da sua vida e fizerem soar as trombetas que anunciam o fim das suas reivindicações por melhores condições de trabalho, aí talvez perceba. Até lá continuarei a pensar que os pormenores fazem a diferença em competições de atletas ao mais alto nível e que as algas e as folhas podem ter tanta importância no sucesso da prova de um canoísta como o ruído tem influência no insucesso da entrevista. Ou a qualidade técnica num espectáculo ou o equipamento do veículo na rendição ou no assalto. É mesmo um assalto de carácter zurzir em atletas por não conseguirem medalhas. Como se não tivessem sido capazes, na esmagadora maioria dos casos, de dar o que já é imenso.

Como tal, desporto escolar e infraestruturas, cultura desportiva e menos patriotismo bacoco ao sabor do medalheiro. Com uma medalha da brava Telma no coração, fiquei a contar quantos dos "desfazedores" estão no top 100 das suas profissões à escala planetária. É uma conta certa, juro. Não duvido que os objectivos do Comité Olímpico de Portugal foram irrealistas ou demasiado ambiciosos. Mas no ano em que conseguimos a nossa segunda melhor pontuação olímpica de sempre, espanta-me como o desporto preferido de tantos não é o futebol mas antes o jogo da sardinha. Só parece haver duas opções: acertar ou levar.

O autor escreve segundo a antiga ortografia

* MÚSICO E ADVOGADO

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS
24/08/16

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