26/08/2016

LUÍS CABRAL DE MONCADA

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O cretinismo economicista

Vivemos em Portugal uma nova e curiosa era de totalitarismo sucedendo às anteriores. Desta vez é o totalitarismo dos economistas. Tudo sabem, tudo comentam, e deles tudo se espera. Os economistas julgam-se os depositários de um saber técnico que tudo explicaria; o passado, o presente e o futuro. Nada está fora do alcance deles.

Ora, os economistas não percebem da realidade mais do que um pequeno aspecto. O resto está completamente fora da visão deles, a não ser que se trate de economistas cultos, coisa rara no nosso país e quase ausente dos media. O que se vê são economistas fiéis a modelos teóricos de compreensão das pequenas realidades que enxergam. E a explicação é muito simples. A economia nasceu em plena modernidade científica e logo se arvorou a explicação infalível das coisas. Já Voltaire e Rousseau gozavam com as pretensões universalizantes dos economistas. Na actual época do Estado intervencionista a economia pretende mesmo ser uma ciência global. Mas não será por muito tempo. A pós-modernidade há de chegar à economia e quando isso acontecer não sendo obviamente posta de parte ficará reduzida às suas devidas proporções.

Um exemplo das consequências nefastas da visão estritamente económica das coisas é o daqueles que, de máquina de calcular na mão, garantem que as medidas de brutal restrição orçamental em curso vão gerar num futuro mais ou menos próximo seguros efeitos salvíficos na economia. É que o modelo teórico que adoptaram permite fazer as previsões que eles querem ouvir e, portanto, aí vão elas. Ignoram, os coitados, que a aplicação de qualquer conhecimento técnico a destinatários como nós todos logo lhe retira qualquer pretensa infalibilidade. O cretinismo economicista paga-se caro sobretudo quando ignora que não está sozinho no mundo e que as medidas adoptadas afectam gente de carne e osso que luta diariamente pela subsistência e que se sente reduzida à escravidão fiscal e à miséria quotidiana.

Como não existem estadistas à altura, do que precisamos nos media é de sociólogos, de historiadores e de intelectuais «orgânicos» do público médio (a maioria dos economistas não sabe o que isto significa) que comuniquem através de uma linguagem comum e não de um palavreado especializado pleno de business english indiferente ao público numa palavra; de gente instruída e não de patuscos que esperam a salvação da protecção às pequenas e médias empresas, do capital de risco, do planeamento fiscal, do redimensionamento da propriedade agrícola, das «valências» e das «competências» adquiridas através da educação dos adultos claro que com apoio nas «novas tecnologias», etc... Gente que saiba dizer ao país em desespero que a economia como qualquer outra actividade humana depende da confiança e que esta é indesligável de uma visão política e cultural global do futuro individual e colectivo para o nosso país e que, consequentemente, o que o que é preciso é credibilizar a governação, desmantelar o vastíssimo sector inútil do Estado e levar na enxurrada as castas parasitárias que dele se alimentam desde o tempo do Marquês de Pombal de modo a relançar a iniciativa privada. Toda a gente percebe isto menos os economistas. O português só medra com menos Estado como lhe acontece em toda a parte para onde emigra. Só assim será mobilizada a energia dos nossos concidadãos para sair da crise. Não são os economistas caseiros que podem responder a este desafio na sua linguagem esdrúxula e totalmente separada da realidade.

Enquanto esperarmos dos economistas aquilo que eles não nos podem dar, presos como estão a uma concepção muito reduzida e linear das coisas, não vamos a lado nenhum. No dia em que os media derem o devido valor a quem devem dar e desvalorizarem a pretensa omnisciência dos economistas é que poderemos acreditar que as coisas estão no bom caminho. 

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IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
24/08/16

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