23/07/2016

HUGO DE MELO E GOMES

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O mundo digital: 
quando todos formos “escritores” 
quem nos vai “ler” ?

Com as ferramentas disponíveis hoje em dia, qualquer um de nós pode ser escritor, fotógrafo, realizador ou mesmo designer. Basta ir a um qualquer site ou fazer o download de uma app, e podemos produzir uma peça de comunicação. E partilhar essa peça com o mundo. Somos todos autores.

Mas vamos começar do princípio. E no princípio era não o verbo, mas a página pessoal. Corria o final dos anos 90 e a web participativa dava os seus primeiros passos. Apareciam serviços gratuitos ou subsidiados por publicidade que permitiam ter uma página pessoal e dizer algo ao mundo. E foi exactamente nesse momento que o paradigma mudou. O utilizador da internet passou a ser participante. Passou de “leitor” a “autor”, de “espectador” a “criador”.

Mas o caminho era difícil. Era necessário algum conhecimento programático e era tudo lento e complicado.

Mas “a internet” apercebeu-se rapidamente que simplificação e usabilidade eram as palavras-chave da transformação, e criou o blog. A expressão “blog” – contracção de “weblog”, que por sua vez é a contracção de web+log – vem do informatiquês, LOG, que é um tipo de ficheiro-relatório onde se descrevem os eventos que acontecem no computador.

Assim, o blog era, na sua essência, um relato digital periódico de experiências do seu autor, e a Google – e por cá o SAPO – entre outros, ao disponibilizarem ferramentas simples e intuitivas de criação de conteúdo, abriram as portas do mundo e ao mundo para os novos autores.

Depois, com o crescimento e difusão dos blogs, cada vez mais agregadores, genéricos ou específicos, temáticos e participados, nasce a blogosfera. Uma gigantesca comunidade de pessoas que, singular ou colectivamente, escreviam periodicamente acerca dos seus assuntos preferidos.

E estava (está) feito: Qualquer um de nós podia (pode), em minutos, abrir um blog e espraiar a sua criatividade. De similar forma surgiram as ferramentas para vídeo, imagem, fotografia, etc.

A massificação das redes sociais veio então dar um impulso a esta “cultura autoral”, permitindo a divulgação massiva dos conteúdos criados. Tornava-se tão fácil divulgar como criar. E de seguida, essas redes sociais transformaram-se elas próprias nos receptáculos dos conteúdos, permitindo, numa só local, criar e partilhar a criação.

E agora, volto ao assunto do título, à “vaca fria” (não confundir com vaca voadora): Neste momento somos todos autores. Autores dos nossos posts mais ou menos sérios no Facebook, das nossas fotos artísticas ou de família no instagram, dos nossos vídeos caseiros ou profissionais no Youtube, dos nossos estados de alma ou cachas noticiosas, no Twitter.

E daí a pergunta: Se somos todos produtores de conteúdo quem nos vai ler? Se todos nós temos algo a partilhar com o mundo e cada vez em maior quantidade, esta nova realidade tem mais “autores” que “leitores”. Mais produtores que consumidores.

A internet passou da sociedade da informação à sociedade do conhecimento e depois à sociedade do relacionamento. Será que o futuro é a sociedade da não-relevância? Onde todos temos algo a dizer mas não há ninguém que nos queira ouvir pois estamos todos preocupados com o que vamos dizer a seguir?

Aliás, nesta altura, onde muito se discute o papel do jornalismo nesta nova era, qual o novo papel dos profissionais das notícias, num mundo em que todos geramos informação e conseguimos fazê-la chegar a um sempre maior número de pessoas? E os media oficiais? Qual o seu futuro num mundo em que a foto do gatinho fofinho tem mais audiência que um artigo de investigação? E onde as notícias desaparecem nas timelines, abafadas pela espuma dos dias?

O próprio Facebook, como a maior rede social do mundo, debate-se exactamente com este problema nos seus famosos algoritmos. O que privilegiar? As notícias dos media oficiais ou as “notícias” dos amigos? Quantidade vs qualidade, relevância vs dinâmica? E, de tempos a tempos, lá vemos uma curva a 180º porque tudo isto é, até para eles, território desconhecido.

Eu disse que não tinha respostas. Mas se calhar, como diz uma rádio bem conhecida, “vale a pena pensar nisto”.

* Consultor em Digital Marketing
 – Senior Partner OOTB

IN "OJE"
22/07/16

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