23/07/2016

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HOJE NO 
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"

Os turistas puxam redes em Sesimbra. 
E recebem peixe

Estar de férias e viver uma experiência emocionante - é assim que uma espanhola descreveu a iniciativa que junta veraneantes na prática de uma tradicional arte de pesca

"Quem havia de dizer que um dia íamos ajudar pescadores a sério a puxar peixe a sério de um mar a sério?", comentava ainda surpreendida Sonia Márquez, uma espanhola que fez parte da "companha" que juntou turistas e pescadores de Sesimbra para puxar as redes de pesca da arte xávega. "A pescaria foi fraquinha, mas nunca mais me vou esquecer deste momento. 
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As férias em Portugal estão a ser muito boas, mas isto foi tão emocionante", confessava ao DN esta residente de Ponferrada (da região de Castela e Leão). Ainda sacudia do corpo as escamas e a areia, enquanto o marido Tomas Martínez disparava um rol de fotografias com os peixes aos saltos.

Sonia e Tomas deixaram-se convencer a participar no projeto de Câmara de Sesimbra que pretende recuperar a ancestral arte xávega, para mostrar aos turistas a pesca de outros tempos, convidando-os a empurrar a aiola para o mar e a puxarem as redes para terra. O agradecimento é o merecido "quinhão" da pescaria, quando a há. À moda antiga. E o casal espanhol pensou que precisaria de mais "músculo" para ajudar a trazer até à praia da Califórnia as extensas redes que o armador Joaquim Paulo estendeu pelo mar adentro à boleia do pequeno barco, que foi fazendo o cerco a remos empurrados por quatro braços. "Mas foi muito fácil", testemunhou Sonia. Até o Pedro e o João, de 7 e 9 anos, foram "pescadores" por uma hora, abdicando dos tablets que habitualmente levam para a praia. "Só por isso, isto já valeu a pena", desabafava a mãe.

Já no posto de turismo, Vanda Pinto, da Câmara de Sesimbra e neta de pescador, tinha reunido o grupo de 12 turistas que se iriam ser "batizados" na atividade da pesca, dando algumas dicas sobre o que iriam encontrar minutos depois em plena praia, onde nem o vento afastava os banhistas curiosos com as movimentações dos pescadores em torno da aiola. Vanda alertou para a "vida de surpresas que marca a atividade piscatória: "Quando se pensa que há dinheiro para distribuir pela companha, há prejuízos", disse. Ou seja, também hoje poderia ser "tarde não".

Já os turistas tinham os pés na areia, quando o mestre do bote aceitou a ajuda para empurrar a aiola até à água. Afastou da costa uma dezena de metros, perante olhares curiosos que não percebiam como é que o peixe ia ser capturado. "Isto é uma rede com dezenas de metros, presa a uma corda, que tem um saco ao meio onde vem o peixe", explicava Olímpio dos Santos, pescador reformado da terra, deixando as duas pontas da corda no areal, firmes nas mãos de quem sabe.

Meia hora depois - mais ou menos -, o mestre dava o sinal aos seus homens que estavam na praia e que contavam hoje com muitos mais braços do que é costume. Além dos turistas inscritos para mais uma sessão de arte xávega, chegaram reforços que também quiseram puxar redes antes de jantar. "É para abrir o apetite e até pode ser que venha de lá alguma coisa jeitosa para ir ao lume", ironizava Carlos Teigão, da Guarda. O experiente Canário, do alto dos seus 90 anos e que anda ao mar desde os 13 (chama-se Joaquim Faria Silva), mas ainda se equipa de calções, T-shirt e boné virado para trás entrava em ação e torcia o nariz. "Se a rede não ficar presa vem peixe, mas vai ser fraquinho. Vá lá umas bogas", admitia. O receio era que a rede se prendesse, como há uma semana, acabando por partir-se. Foram precisos três dias de trabalho para a recuperar.

Mas o "decano" da pesca sesimbrense estava preparado para conduzir a operação de resgate da rede. "É agora", gritava para a companha, "tem de ser devagar, senão o peixe foge por baixo da rede", alertava, numa altura em que já perto de 30 banhistas puxavam a rede para terra sempre com os olhos fixos no mar.

"Pensava que podia ver já peixes aos saltos como nos documentários, mas não deve ser assim", confessava Sandra, uma jovem lisboeta de 17 anos, que quer seguir Biologia. "Ré, ré", voltava a gritar Canário, mas foi preciso intérprete para esta instrução. "É para baixar a corda", descodificava Vanda. Até que o saco dá à costa e as notícias não eram as melhores. "Bogas e pouco carapau. Ali o sargo é que já é bom", sublinhava Canário, enquanto iam agarrando no peixe à mão para o devolver ao mar por sugestão dos adultos. Mas o que os leigos pensavam ser o regresso à liberdade transformou-se num banquete para as gaivotas.

* Verdadeiro turismo, fantástico.

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