20/06/2016

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HOJE NO
  "OBSERVADOR"

Vale do Lobo. 
O empréstimo da Caixa 
que já é um caso de polícia

O crédito de mais de 200 milhões de euros a Vale do Lobo é um dos mais polémicos da CGD. Esta segunda, Sócrates escreveu sobre o assunto para se defender. Afinal, o que está por trás deste empréstimo?


Não é o maior crédito, de um conjunto de operações que totalizam 2,3 mil milhões de euros, que a Caixa Geral de Depósitos (CGD) se arrisca a não conseguir recuperar. Mas é certamente um dos mais mediáticos – e aquele que já é um caso de polícia.

Trata-se do envolvimento do banco público no negócio de expansão do empreendimento de Vale do Lobo que já levou a uma exposição de 282,9 milhões de euros e ao registo de 138,1 milhões de euros em imparidades (perdas potenciais), segundo uma auditoria citada pelo Correio da Manhã. Todos estes dados estão sob investigação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) no âmbito da Operação Marquês e levaram mesmo à detenção de Armando Vara, ex-vice-presidente da Caixa, em julho de 2015, por suspeitas da alegada prática dos crimes de corrupção passiva para ato ilícito, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais.

Armando Vara rejeita a ideia de que recebeu contrapartidas para aprovar o crédito bancário e explica o insucesso da operação com a crise do subprime em 2008 que afetou a economia mundial.
E já esta segunda-feira José Sócrates regressou com um artigo de opinião publicado no Jornal de Notícias e na TSF para rejeitar qualquer intervenção junto da administração da Caixa para que o crédito fosse concedido à empresa do resort. “Enquanto desempenhei as funções de primeiro-ministro, nunca dei orientações, ou fiz qualquer sugestão fosse a quem fosse, que tivessem a ver com concessões de crédito. (…) nunca tive conhecimento — nem tinha de ter — de nenhuma decisão da Caixa relativa” a Vale do Lobo e “até 2015, altura em que o assunto passou a ser noticiado, não conhecia nem os acionistas nem os gestores nem ninguém ligado a tal empreendimento. Nunca ninguém me falou de Vale do Lobo como assunto de interesse público, nem como preocupação privada”, escreveu o ex-primeiro-ministro.

A história do envolvimento da CGD no projeto de Vale do Lobo começa no início de 2006, quando Diogo Gaspar Ferreira e Rui Horta e Costa entregam uma proposta de financiamento de 194 milhões de euros para a aquisição de participações sociais de controlo em diversas sociedades que detinham o resort de Vale do Lobo, bem como para a expansão urbanística do empreendimento turístico.
Armando Vara, administrador da Caixa desde o segundo semestre de 2005 que então detinha o pelouro das direções de particulares e de negócios das regiões de Lisboa e do Sul, assim como a direção de empresas da zona Sul, acha a proposta interessante. Não só quer aprovar a proposta de crédito, como tem a ideia de a CGD adquirir 25% da nova empresa (a Resortpart) que vai gerir Vale do Lobo. São mais 28 milhões de euros que se juntam aos 194 milhões pedidos. Total: 222 milhões de euros que são propostos por Vara e aprovados pela CGD com o pormenor relevante de que o spread do empréstimo terá descido de 2,375% para 1,75% alegadamente por intervenção do próprio Vara, segundo o Expresso.
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Este apoio original foi reforçado mais tarde com a criação da Wolfpart — sociedade detida pela Caixa para gerir o seu investimento em Vale do Lobo. Durante o último trimestre de 2007, a CGD aprovou novas operações de financiamento de mais 21 milhões de euros. Depois disso, Armando Vara mudou-se com Carlos Santos Ferreira (então líder da Caixa) no início de 2008 para a administração do BCP.

Até ao final de 2014, a Wolfpart virá a receber mais fundos que fez aumentar o total de créditos concedidos para 389 milhões de euros. O relatório e contas da CGD de 2014 garantia que a empresa gestora de Vale do Lobo tinha acumulado uma situação líquida negativa de 120 milhões de euros desde 2008.

As suspeitas na Operação Marquês
O procurador Rosário Teixeira, responsável pela investigação da Operação Marquês, não tem dúvidas de que Armando Vara terá recebido contrapartidas de cerca de 2 milhões de euros para aprovar estes créditos. Por isso, requereu ao juiz Carlos Alexandre a sua detenção para constituição como arguido em julho de 2015, tendo o ex-ministro do PS ficado em prisão domiciliária até outubro do ano passado.
O montante total recebido por Vara teria sido dividido em diversas tranches:

A primeira terá passado pela rede de branqueamento de capitais liderada por Michel Canals, gestor de fortunas, e por Francisco Canas, cambista conhecido por ‘Zé das Medalhas’, e terá consistido na entrega em dinheiro vivo de cerca de 218 mil euros que, após passarem pelo BPN de Cabo Verde, seriam depositados na conta da Vama Holdings — sociedade offshore localizada no Panamá que pertence a Armando Vara e à sua filha Bárbara. Estes factos imputados a Vara pelo DCIAP ter-se-ão verificado em 2006.
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A segunda transferência de fundos terá ocorrido entre 2007 e 2008 — e mais uma vez com recurso aos serviços do consultor suíço Michel Canals, que geria a sociedade de fortunas Akoya. Desta vez, são 559 mil euros que terão sido transferidos através de várias sociedades offshore que serviriam para satisfazer clientes que queriam transportar fundos de Portugal para a Suíça mas também da Suíça para Portugal.



Entre janeiro e abril de 2008, a conta da Vama Holdings na Union des Banques Suisses (UBS) volta a receber novas transferências que totalizam cerca de 1 milhão de euros. O circuito financeiro desse montante envolve um milionário holandês (Jeroen Van Dooren) que comprou um lote de terreno em Vale do Lobo e as contas de Joaquim Barroca — administrador do Grupo Lena igualmente arguido na Operação Marquês por alegada corrupção do ex-primeiro-ministro José Sócrates, além de ser igualmente suspeito de fraude fiscal e branqueamento de capitais. Tendo em conta que Barroca confessou em interrogatório que tinha assinado ordens de transferência em branco para Carlos Santos Silva movimentar livremente a sua conta na Suíça, o procurador Rosário Teixeira acredita que o milhão de euros que foi transferido para Armando Vara foi previamente combinado com o alegado testa-de-ferro de José Sócrates.
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Recorde-se que o DCIAP entende que o governo de José Sócrates terá favorecido o empreendimento de Vale do Lobo ao aprovar instrumentos urbanísticos que viabilizaram a expansão imobiliária do resort. Alegado favorecimento esse que estará na origem da transferência de cerca de 18 milhões de euros de Hélder Bataglia para as contas suíças de Carlos Santos Silva.

Deste total de cerca de 2 milhões de euros, os investigadores da Operação Marquês detetaram com ajuda das autoridades judiciais da Suíça transferências de cerca de 575 mil euros entre 2007 e 2009 para destinatários desconhecidos através de uma conta bancária aberta no Barclays de Londres em nome da sociedade offshore Orsati Corporation.
 
Só uma dessas transferências totalizará cerca de 425 mil euros, que terão sido distribuídos por terceiros cuja identidade permanece desconhecida. Segundo o Expresso, o DCIAP acredita que tais valores foram distribuídos por responsáveis da Caixa Geral de Depósitos.

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De acordo com uma notícia da SIC, a conta da Orsati recebeu ainda cerca de 797 mil euros de Hélder Bataglia e Pedro Ferreira Neto (administrador da Escom) entre 2007 e 2008.


Todas estas incógnitas, ainda de acordo com a estação de televisão, levaram o DCIAP a emitir uma carta rogatória para Inglaterra a solicitar a quebra do sigilo bancário e o acesso aos extratos bancários da Orsati para completar o circuito dos fundos que entraram na conta da Orsati.


Está ainda por descobrir o que aconteceu aos 2,1 milhões de euros que Armando Vara transferiu em 2009 da conta da Vama Holdings para outra sociedade offshore por si controlada, a Walker Holdings, com sede nas Ilhas Seychelles. Sabe-se apenas que esta última conta foi encerrada no final de 2009, tendo o saldo final (cerca de 200 mil euros) sido transferido para uma conta numérica detida pela sua filha Bárbara, igualmente arguida na Operação Marquês por suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais.


Vara rejeita qualquer ilegalidade

Detido em julho de 2015 e levado à presença do juiz Carlos Alexandre do Tribunal Central de Instrução Criminal a pedido o procurado Rosário Teixeira, responsável pela investigação da Operação Marquês, Armando Vara rejeitou que tivesse recebido qualquer contrapartida para aprovar a proposta de crédito da empresa liderada por Hélder Bataglia.

O principal argumento da defesa de Vara para explicar os maus resultados deste investimento prende-se com a crise mundial do subprime que afetou, numa primeira fase, a solidez do sistema financeiro norte-americano em 2008 e rapidamente alastrou-se aos restantes mercados ocidentais.

Vara afirmou no Tribunal Central de Instrução Criminal que viu a proposta do empreendimento de Vale do Lobo com bons olhos por entender que o imobiliário turístico em Portugal era um mercado com potencial mas fez questão de enfatizar que a aprovação do negócio nunca dependeu apenas de si. Pelo contrário, não só se verificou o envolvimento de diversos departamentos da Caixa como a proposta foi aprovada pela administração liderada por Carlos Santos Ferreira — e da qual Vara fazia parte. O mesmo se aplica sobre a decisão relativa à baixa do spread — trata-se de uma decisão normal para conquistar um cliente e a mesma foi aprovada pelo conselho de crédito da CGD. Em suma: a operação correu mal mas Armando Vara manifestou ao juiz Carlos Alexandre e ao procurador Rosário Teixeira a confiança de que tomou a decisão certa.

Tiago Rodrigues Bastos, advogado de Armando Vara, enfatizou que as transferências recebidas pelo seu cliente na Suíça ocorreram muito depois da aprovação do crédito bancário na Caixa não existindo por isso, no seu entendimento, qualquer relação causa/efeito entre as duas matérias.

* Os nossos tetranetos ainda ouvirão falar de Sócrates e Vara, por "bons motivos" entenda-se.


** Infografias de Andreia Reisinho Costa
 


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