20/05/2016

VITAL MOREIRA

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Pior era impossível

Ao insistir no financiamento público dos colégios privados mesmo havendo vagas suficientes na rede pública na área correspondente, a direita mostrou o seu pior como “direita dos interesses”. Nunca se viu tanta hipocrisia na arte de capturar e saquear o Estado em proveito privado.

   1. Na questão dos colégios privados, o Governo mostrou uma enorme generosidade na hora de decidir e a direita mostrou o pior de que é capaz na instrumentalização do Estado ao serviço de interesses privados.

O Governo não só vai cumprir os contratos de financiamento em vigor até ao termo do ciclo plurianual a que respeitam, apesar de a maior parte deles serem ilegais, por não preencherem falhas da rede pública, mas também se propõe fazer contratos de financiamento para novos ciclos letivos no próximo ano em quase metade dos casos, apesar de há uns anos um estudo ter mostrado que cerca de 80% dos colégios financiados não correspondiam a carências efetivas da rede pública. Ora, entretanto, a procura escolar diminuiu por razões demográficas e a rede escolar pública expandiu-se, pelo que os casos de carência deveriam ter-se reduzido.

Contudo, em vez de agradecerem a deferência governamental, parece que há colégios privados que se preparam para impugnar nos tribunais a decisão do Governo quanto à redução dos novos contratos. Arriscam-se obviamente a ficar sem nada. De facto, se os colégios avançarem contra o Estado, é evidente que o Governo pode (e deve) invocar a ilegalidade da maior parte dos contratos existentes, a fim de deixar de os cumprir. Quem tudo quer, arrisca-se a tudo perder.

   2. Ao insistir no financiamento público dos colégios privados mesmo havendo vagas suficientes na rede pública na área correspondente, a direita política mostrou o seu pior como “direita dos interesses”, apostada em fazer pagar aos contribuintes uma choruda renda a um poderoso grupo de interesses.

Em geral, a direita acha que o Estado não deve subsidiar atividades privadas –, exceto quando são as dos seus. A direita acha em geral que os serviços públicos devem ser pagos pelos utentes –, mas nesta questão defende que os contribuintes devem pagar um serviço privado. A direita acha em geral que os Estados devem evitar gastos públicos supérfluos –, exceto quando se trata de servir uma dileta clientela sua. Nunca se viu tanta hipocrisia e tanto farisaísmo político na arte de capturar e saquear o Estado em proveito privado.

Um dos mais tristes espetáculos neste debate foi o de alguns juristas sem escrúpulos que vieram tentar tresler a Constituição para concluir que afinal o Estado tem a obrigação de financiar todos os colégios privados para garantir a “liberdade de escolha” e que, portanto, o Estado anda há quarenta anos a fugir às suas responsabilidades. Patético!

   3. O financiamento público de escolas privadas no ensino obrigatório só existe porque o Estado não tem cumprido a sua obrigação constitucional de manter uma rede de escolas públicas que cubram adequadamente toda a população. Por definição, os “contratos de associação” devem ser uma solução transitória e destinada a desaparecer, por desnecessária.

Por isso, a poupança com a redução dos novos contratos deve ser destinada prioritariamente a torná-los dispensáveis num futuro próximo, colmatando as falhas da rede pública e apostando na qualidade da escola pública, como garante da universalidade e igualdade no acesso ao ensino e da realização do direito constitucional ao ensino, sem privilégios nem exclusões. O direito público ao ensino é o direito à escola pública.

* Professor da Universidade de Coimbra

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
19/05/16

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