04/05/2016

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HOJE NO
"OBSERVADOR"

Oposição interna a Catarina Martins
 pede mais democracia no Bloco

O Bloco é agora um partido bem mais unido do que em 2014. Mas a oposição interna, residual, exige mudanças: mais democracia interna no partido, alianças nas autárquicas e caldos de galinha com o PS.

Catarina Martins chega à 10ª Convenção do Bloco de Esquerda numa posição confortável: as principais tendências e fações do partido parecem estar alinhadas em torno da estratégia escolhida. 
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O que não significa, no entanto, que a coordenadora bloquista vá enfrentar o conclave sem oposição interna. Além da moção patrocinada por Catarina Martins vão a jogo outros três documentos estratégicos.

1 - Um ataque aos “tendenciosos”
Um deles é protagonizado pelos bloquistas Paulo Teles e por Américo Campos. Na Moção C, intitulada “Bloco +“, os proponentes reconheçam o momento positivo que o partido atravessa — e elogiam o desempenho de Catarina Martins, Mariana Mortágua e Marisa Matias. Ainda assim, os proponentes desta moção avisam: “Os tendenciosos precisam delas, porque elas garantem todos os cargos que eles conseguiram e que eles nunca seriam capazes sozinhos. (…) À mais pequena crise, os tendenciosos voltarão a evidenciar o seu objetivo estratégico, que foi, é e será sempre o mesmo: tomar conta do Bloco de Esquerda”.
Os promotores desta iniciativa denunciam a “vontade de protagonismo, evidenciada por vários dirigentes”, como “um entrave ao desenvolvimento” do Bloco de Esquerda. E continuam:
Não podemos tolerar graves desvios democráticos, como fraudes eleitorais, compra de votos, uso indevido do voto por correspondência”.
A última crítica aos “tendenciosos”, que nunca são nomeados, chega sob forma de aviso:
Embora os aderentes sem tendência sejam maioritários acabam por ser subalternizados pelos carreiristas das tendências. Cada vez fica mais insuportável para nós, aderentes sem tendência, sermos tratados como aderentes de segunda. A injustiça é óbvia porque nós somos 100% bloquistas, ao contrário dos tendenciosos que só prestam fidelidade à sua tendência”.
Sobre as eleições autárquicas, os proponentes desta moção defendem que o Bloco deve tentar, “sempre que possível”, fazer “alianças eleitorais com outras candidaturas.
Não podemos correr o risco de sermos considerados responsáveis pela eleição de um executivo autárquico de direita por causa do nosso sectarismo. No dia em que a população de um concelho perceber que a Direita ganhou as eleições autárquicas por nossa causa, nesse dia, é melhor fecharmos as portas e desistirmos de fazer política nesse concelho”.
Sobre a aliança com o PS, outro recado:
Neste momento tudo nos corre bem (…) Chegará o dia em que a finança internacional, sustentada pelos partidos burgueses, voltará a impor as agruras austeritárias, deixando de haver espaço para acomodar no Orçamento as propostas da Esquerda. Nesse dia, poderemos ser forçados a retirar o nosso apoio ao governo do PS, restando-nos a esperança que a perceção popular acolha favoravelmente essa decisão”.

2 - “Política do PS é insuficiente”
Noutra moção apresentada, a Moção R – “Crescer pela Raiz – A radicalidade de reinventar a política”, patrocinadas por João Carlos Louçã e Nuno Moniz, que já antes se tinham oposto à atual liderança de Catarina Martins, os proponentes traçam o cenário: “Sem renegociação da dívida externa e mantendo-se dentro dos estreitos limites do Tratado Orçamental, acabará por chocar com a realidade e terá de escolher o seu campo: ou a austeridade light ou o campo dos direitos sociais”.
Os autores deste documento estratégico acreditam que o PS vai acabar por escolher o “caminho de rendição ao capital” e, por isso, propõem:
Bloco, atento às lições do esmagamento da possibilidade de uma política alternativa na Grécia, não deixará de escolher o campo dos direitos sociais, desobedecendo às cúpulas das instituições europeias, afrontando o capitalismo financeiro e saindo do euro, se assim for necessário”.
Tal como na moção apresentada por Catarina Martins, também nesta a questão da renegociação da dívida e do controlo público da banca são vistas como questões prioritárias. No entanto, e ao contrário do que defende a atual liderança, esta tendência minoritária do partido está disposta a desenhar coligações eleições para as autárquicas.
O projeto do BE para as eleições autárquicas será o de favorecer listas unitárias que representem as forças que em cada local, cidade e região saibam enfrentar a direita com um programa claro de esquerda (…) Só juntando forças é que o BE cumprirá o objetivo de disputar o poder local e mudar a relação de forças nas autarquias. Onde tal não seja possível, o BE concorrerá em listas próprias”.
A terminar, também nesta moção se faz uma crítica à forma como o Bloco de Esquerda se organiza.
A melhor forma de construir o Bloco para dentro e para fora é a organização coletiva a todos os níveis, da base à direção. Não nos resignamos a pertencer ao partido das fugas de informação. Recusamos os cultos da personalidade e as direções omniscientes, e acreditamos que a democratização radical é mobilizadora”.

3 - Contra os acordos leoninos entre tendências
Também na Moção B – “Mais Bloco para enfrentar Tempos Novos”, os proponentes pedem uma reorganização interna do partido. Falam em aparelho partidário e apontam problemas à democracia interna.
A disputa em torno do controlo do aparelho, numa lógica de perpetuação da influência partilhada e exclusiva das grandes tendências, empobrece a capacidade de intervenção, marginaliza competências de muitos aderentes e mina a democracia interna. Não pactuaremos com essa lógica. Os acordos leoninos entre tendências, plataformas e grupos não podem ser fracionais, discriminatórios ou asfixiantes da vida interna do Bloco”.
Os proponentes deste documento estratégico, na sua maioria bloquistas da zona de Setúbal e Leiria, defendem ainda uma posição de sobreaviso do Bloco em relação ao PS.
Levaremos este acordo de incidência parlamentar tão longe quanto possível (…) [Mas,] em caso de quebra ou descaminho do atual quadro governativo não serviremos de muleta de apoio a nenhuma solução de governo que desenvolva intentos contrários à defesa do Trabalho, à promoção do rendimento e dos direitos das classes trabalhadoras, à dignidade e à proteção aos idosos, aos pobres e aos excluídos.
Ao contrário do que aconteceu em 2014, a moção patrocinada por Catarina Martins conta agora com o apoio de ala mais afeta à UDP, composta por Pedro Filipe Soares, Joana Mortágua ou Mariana Aiveca, e da tendência minoritária de Adelino Fortunato, Paulino Ascensão e Helena Figueiredo. O partido parece estar, por isso, mais unido do que nunca, pelo que oposição interna que resta não deverá ter grande expressão. Mas vai fazer-se ouvir a 26 e 27 de junho.

* O país precisa de um BE bem coeso.

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