30/04/2016

MIGUEL ANGEL BELLOSO

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É bom que haja paraísos
fiscais como o Panamá!

Eu acho que o interessante na vida é ser do contra, ser original, adotar as ideias daqueles que desafiam o statu quo, o pensamento dominante, o corrente. A esquerda, sempre tão eficaz com a sua máquina propagandística, conseguiu persuadir o comum dos mortais de uma série de verdades aparentemente universais e incontroversas: que os impostos são bons, que o Estado social é uma conquista da humanidade e que o planeta está muito pior desde que as teses neoliberais triunfaram à escala internacional, porque causaram estragos, geraram uma grande desigualdade, aumentaram a pobreza e outras coisas do género. Esta tese é naturalmente falsa. Mas à custa de repetir tantas vezes a mentira e de encontrar milhões de mentes frouxas, incapazes de dar a volta aos argumentos, conseguiram persuadir-nos de que o original e o oportuno é o regresso à casa-mãe da esquerda, de onde nunca saímos e onde todos nos encontramos seguros e muito confortáveis, ainda que a tresandar a naftalina, ainda que estejamos no lugar mais aborrecido e menos sedutor do mundo, ainda que estejamos a fazer o jogo deste novo tipo de ditadores dos tempos modernos.

Na Actualidad Económica, a revista que dirijo, tento fazer o contrário, surpreender com aquilo que, se possível, seja diferente do que a esquerda estabeleceu e decretou como verdade oficial. E, por exemplo, penso que, contra a opinião dominante, os paraísos fiscais são ótimos e desempenham um papel crucial na defesa das pessoas normais e comuns. Há uma poderosa campanha propagandística à escala global para acabar com os paraísos fiscais. O seu verdadeiro objetivo é eliminar a desagradável concorrência tributária entre os Estados. A justificação para o conseguir é a de que essas jurisdições são lugares cuja função fundamental é lavar o dinheiro procedente de operações criminais e servir de plataforma para financiar o terrorismo internacional. A esta tarefa dedicam-se com êxito evidente as esquerdas anticapitalistas, secundadas por governos dos países desenvolvidos, sobretudo europeus, que carregam os seus povos com uma fiscalidade excessiva e pretendem evitar a sua fuga para ambientes tributários menos hostis.

O que é um paraíso fiscal? É uma jurisdição, geograficamente situada em qualquer parte do mundo, que estabelece regras preferenciais para os investidores estrangeiros. Quando um Estado soberano aprova um quadro institucional com estas características, não tem obrigação de ajudar a que sejam cumpridas as normativas tributárias de terceiros países para os salvar dos seus próprios erros, isto é, da manutenção de regimes de tributação lesivos para a criação de riqueza. A única informação e colaboração exigíveis às nações que estabeleceram uma fiscalidade baixa ou mínima são as relativas às suspeitas de que nelas se tenham albergado - e sem sombra de dúvida - fundos provenientes de transações de natureza criminal, cuja eliminação precisa da cooperação internacional. Mas isto não tem nada que ver como o desejo legítimo das pessoas de atenuar o mais que puderem a sua carga fiscal.

Na atual estratégia de perseguição empreendida contra os contribuintes, a denominada teoria do rendimento universal desempenha um papel fundamental. Sob a sua égide, os governos pretendem arrogar-se a faculdade de conhecer e de taxar as atividades económicas que se realizam fora das suas fronteiras. Mas esta postura carece de legitimidade. As Finanças espanholas, por exemplo, ou as portuguesas, não têm o direito de exigir tributos sobre os rendimentos de operações comerciais ou financeiras não vinculadas ao território sobre o qual têm jurisdição e em cuja origem não tiveram qualquer participação. Por outro lado, a aplicação do rendimento universal é uma fonte de ineficiência porque impõe uma dupla, tripla e inclusive quarta tributação sobre os rendimentos dos indivíduos e sobre os benefícios empresariais que distorce o bom funcionamento dos mercados de capitais penalizando o crescimento.

Atualmente, o conceito de paraíso fiscal adquiriu um carácter expansivo até abarcar qualquer Estado com regimes tributários menos gravosos para o trabalho, para o aforro e para o investimento que os seus concorrentes. Já não se trata de emigrar para as ilhas Caimão, para citar um exemplo, para escapar aos elevados impostos estabelecidos em determinados países, mas sim de impedir que alguém ofereça aos cidadãos e às empresas condições fiscais melhores do que os demais. 

Aspira-se a criar um cartel estatal para suprimir a concorrência entre os sistemas tributários e, deste modo, evitar a pressão para reduzir a tributação que recai sobre os contribuintes. Este acordo colusório tem por objetivo encerrar os indivíduos e as empresas numa espécie de prisão fiscal ao serviço das políticas redistributivas dos Estados e dos caprichos dos governos. Porque sem pressão competitiva do exterior estes poderão impor aos seus abnegados cidadãos e empresas a carga fiscal que desejarem.

Mas há mais. Um Estado de direito tem de defender a privacidade dos cidadãos, o que inclui a informação sobre a situação financeira ou patrimonial, cujo uso é de propriedade privada, não coletiva. Este direito individual tem de ser garantido pela lei e o levantamento desse véu protetor só deve acontecer por razões tipificadas previamente e mediante uma decisão fundamentada dos tribunais. 

A conceção em voga do cidadão transparente, de quem o poder fiscal conhece todos os pormenores da sua vida, é orwelliana e imprópria de uma sociedade livre. Este aspeto essencial deixa de existir quando situações escandalosas e excecionais se transformam na regra geral. Haverá sempre pessoas dispostas a abusar da proteção oferecida pelos paraísos fiscais, mas a maioria procura neles segurança e rentabilidade para o seu capital, caso de muitos indivíduos e empresas que enfrentam grandes riscos, não necessariamente tributários, nos seus países de origem.

A localização do aforro, do investimento e do trabalho em territórios com uma baixa tributação é a prova palpável da existência de quadros fiscais confiscatórios numa grande parte dos Estados desenvolvidos. Existem paraísos fiscais, e são atrativos, porque quase todas as economias avançadas têm impostos demasiado altos e os seus governos não estão dispostos a diminuir o tamanho do setor público. Que a esquerda empreenda essa cruzada é compreensível, mas as formações de centro-direita, paladinos teóricos da liberdade económica, deveriam entender a problemática gerada pelos paraísos fiscais como uma reivindicação do seu projeto: um modelo de Estado com despesa pública e impostos sensivelmente inferiores aos vigentes na atualidade.

Em nome do combate contra o terrorismo, o narcotráfico, o contrabando de armas e outras pragas da humanidade, um fim sem dúvida louvável, está-se a tentar criar uma espécie de Estado fiscal de carácter policial à escala planetária que ameaça a nossa prosperidade e a nossa liberdade. A possibilidade de escapar daqueles que querem apropriar-se da riqueza e do esforço individual foi um instrumento básico para travar, ou pelo menos minorar, a insaciável voracidade do Leviatã estatal. 

Querem acabar com os paraísos fiscais para nos espremerem à sua vontade e isso é inaceitável em termos morais e negativo em termos económicos. Impostos altos levam a menos crescimento e, também, o que é mais importante, a menores recursos para que as pessoas vivam como quiserem. É esta a essência última de um debate contaminado por mentiras.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
29/04/16


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