09/04/2016


HOJE NO 
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"

Tradições militares colidem 
com o poder político

Ex-alunos do Colégio Militar elogiam ex-chefe do Exército e direção da escola, que assumiu exclusão de alunos homossexuais
 
A demissão do comandante do Exército parece traduzir o diferente entendimento que poder político e altas patentes militares têm sobre a Constituição, a lei e o quadro de valores da sociedade onde se inserem.
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Na base da decisão, embora não assumida pelo general Carlos Jerónimo na mensagem aos subordinados a que o DN teve ontem acesso, terá estado a forma como o Chefe do Estado - ao aceitar a demissão horas depois do pedido - e o governo, por um lado, e o Exército, por outro, geriram o assumir da exclusão de alunos homossexuais pelo subdiretor do Colégio Militar (CM) em declarações ao Observador.
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Segundo fontes ouvidas pelo DN, sob anonimato por não estarem autorizadas a falar, houve contactos informais prévios entre os gabinetes do ministro Azeredo Lopes e do então chefe do Estado--Maior do Exército (CEME) sobre a interpretação do ocorrido e quanto ao que fazer para corrigir a situação.
. Perante a ausência de respostas concretas, Azeredo Lopes enviou na terça-feira um ofício em que pedia formalmente esclarecimentos e medidas para evitar a discriminação no CM por questões de orientação sexual dos alunos - a qual é constitucional e legalmente proibida.
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No dia seguinte, quando o DN noticiou o pedido da tutela, o Exército respondeu ao ministro - que qualificara o caso como "absolutamente inaceitável" - num tom entendido como contemporizador e sem dizer que medidas concretas iriam ser tomadas para evitar aquelas situações de discriminação.
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O Exército escusou-se a dizer qual o esclarecimento dado à tutela e não respondeu ao DN quando questionado sobre se houve ou existirão mudanças na direção do CM.
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O ministério limitou-se a dizer que o esclarecimento do Exército "está a ser analisado e só poderá ser divulgado após essa apreciação e decisão sobre matéria em apreço", sendo "difícil prever um prazo" após a demissão do ex-CEME - o terceiro a fazê-lo nas últimas três décadas, depois de Loureiro dos Santos (1993) e Silva Viegas (2003).
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Reações e antecedentes
O ex-CEME, na mensagem aos subordinados no dia da demissão (invocando "motivos pessoais"), escreveu: "Os homens e mulheres que servem Portugal no Exército continuam a ser formados e a acreditar nos valores que distinguem a profissão militar", pelo que o seu chefe máximo "deve assumir, como é sua obrigação, a defesa intransigente desses valores e dos deveres que lhes estão associados".
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Do lado político contrapõe-se com o haver "tradições para tudo", como as da mutilação genital ou dos costumes vigentes no Estado Islâmico, alvo de crescente condenação pública nas democracias ocidentais onde Portugal se insere.
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No plano das reações, a Associação dos Antigos Alunos do CM louvou a direção do colégio, cuja ação "é digna de nota e não será maculada pelo esdrúxulo aproveitamento de uma certa comunicação social, que [...] parece esquecer que, face à especificidade do ambiente formativo, se exige especial atenção na gestão do tema dos afetos".
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A nível político, a cautela e a crítica de PS, PSD, CDS, PCP e BE às declarações do subdiretor do CM foram a nota dominante.
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A Associação de Oficiais das Forças Armadas qualificou as declarações do tenente-coronel António Grilo como "uma infelicidade (...) estranha e incompreensível" quando os militares são "guardiões da Constituição".
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Note-se que, no fim dos anos 1990 e em 2013, ocorreram dois casos que ajudam a contextualizar o desta semana: o da demissão do ex-ministro Veiga Simão e a extinção do Instituto de Odivelas.
. No primeiro caso, a divulgação dos nomes de vários espiões constantes da lista entregue pelo gabinete do ministro ao Parlamento levou à demissão do governante. Porém, o general que era seu chefe de gabinete (e que enviou o documento) acabou a ser promovido a três estrelas - levando o presidente da República Jorge Sampaio e o primeiro-ministro António Guterres a recusarem pronunciar-se sobre a proposta em pleno Conselho Superior de Defesa Nacional.
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Em 2013, em pleno processo de integração de meninas no CM, o coronel que então dirigia o Instituto de Odivelas disse estar impedido de inscrever novas alunas devido à decisão política de extinguir a escola - e garantiu que ela "continuará a perdurar no tempo [...] e no mosteiro que D. Dinis mandou erigir e acolher o seu túmulo".
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O Exército resolveu o caso, de aparente crítica à opção política do ex-ministro Aguiar-Branco em encerrar o IO, nomeando o diretor para adido militar em Madrid - colocação que o governo apenas fez adiar por algumas semanas.
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Ontem, um ex-chefe do Exército, o general Pinto Ramalho, disse à Renascença que o assunto que levou à demissão de Carlos Jerónimo deveria ter sido resolvido "no íntimo e na discrição dos gabinetes" - o que, na prática, evitaria que o Exército assumisse pública e oficialmente que entendimento tem sobre casos de discriminação de homossexuais nas suas unidades.

 * Constitucionalmente o poder militar está subordinado ao poder político, se o actual governo contemporizar com a homofobia do subdirector do CM, restará como "corno manso" das Forças Armadas.
Quanto às tradições e história militares convém lembrar que na antiguidade os generais romanos tinham um séquito de mancebos para sodomizar.

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