16/03/2016

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HOJE NO  
"OBSERVADOR"

Esquerda portuguesa não “perdoa”
 ida de Lula para o Governo

Seixas da Costa, ex-embaixador no Brasil, fala em "artifício desprestigiante" e Rui Tavares duvida da "moralidade" da solução. Daniel Oliveira diz que "crime de Lula não tem perdão". Ninguém perdoa.

A braços com dois casos na Justiça, o ex-presidente brasileiro Lula da Silva vai mesmo assumir um cargo de topo no Governo de Dilma Roussef. Em tempos visto como o salvador da política brasileira e o garante da promoção da igualdade entre todos, Lula foi muito admirado pela esquerda portuguesa, mas agora, nem à esquerda a “jogada tática” do Partido dos Trabalhadores está a ser vista com bons olhos. Daniel Oliveira diz que Lula “não tem perdão”, enquanto Seixas da Costa fala em “momento triste para a democracia brasileira”. Ao Observador, José Lello diz que “estão todos apostados em dar cabo do país” e Rui Tavares duvida da “moralidade” da solução encontrada mas acredita que pode ter sido a única para salvar o partido e o Governo.
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Num artigo publicado no site do jornal Expresso, intitulado “Caldeirada de Lula”, o ex-dirigente do Bloco de Esquerda e atual comentador político Daniel Oliveira admite que foi “admirador” de Lula durante muito tempo mas afirma que esta “fuga” é o seu maior crime – e um crime que “não tem perdão”.

Os cargos num governo servem para governar, não servem para fugir deste ou daquele juiz. Ao tomar esta decisão, o Partido dos Trabalhadores transforma-se numa agremiação mais próxima dos partidos do coronéis e de corruptos do que o partido de massas e progressista que foi no passado. O maior crime de Lula não terá sido o dinheiro que tenha recebido indevidamente, se o recebeu. O maior crime de Lula é ter destruído, com esta fuga para a frente, tudo o que a esquerda conseguiu conquistar no Brasil”, escreve.

E reafirma que “os cargos num governo servem para governar, não servem para fugir deste ou daquele juiz”, lembrando a esse propósito que o facto de Lula passar a ser chefe da Casa Civil do Brasil, um cargo quase equivalente ao de primeiro-ministro num sistema político como o português, não lhe dá imunidade judicial, mas impede-o de ser julgado pelo juiz que está à frente da operação Lava-Jato (passando a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal).

Já o socialista José Lello, ex-deputado próximo da ala socrática dentro do PS, afirma ao Observador que “é tudo muito estranho” e que o Brasil está a tornar-se num “país muito complicado” e polarizado entre os que estão a favor e contra o Governo do PT. “Estão todos apostados em dar cabo do país”, diz, incluindo no “todos” Lula da Silva. Também Miguel Vale de Almeida, que chegou a ser deputado eleito pelo PS, escreve no Twitter que “visto de cá, isto é insustentável, incompreensível, inaceitável – seja-se de direita ou esquerda“.

Certo é que a ideia de Lula passar a integrar o Governo de Dilma, que está a braços com uma forte oposição e um processo de destituição, surgiu pouco depois de o ex-líder do PT ter sido alvo de um mandado de detenção para ser interrogado sobre o processo Lava-Jato, um dos maiores escândalos de corrupção da história do Brasil. Embora seja visto como uma questão de salvação da pele, o argumento que o PT está a tentar passar é de que se trata de uma mudança de políticas e de salvação da pele do partido.

Mas deste lado do Atlântico o truque é visto com “frieza”. Fernando Seixas da Costa, que foi embaixador de Portugal no Brasil entre 2005 e 2009 e ex-secretário de Estado dos Assuntos Europeus, quando Lula estava no poder, escreve que se trata de um “momento triste para a democracia brasileira”. “Tenho muita pena, confesso”. Admirador confesso do ex-presidente trabalhista, Seixas da Costa fala em “fuga” de Lula para o Governo e diz tratar-se de um “artifício muito pouco prestigiante” que, ainda por cima, evidencia “fraqueza e insegurança”.

“Um político que não deve nem teme tem de ter a frieza para enfrentar todas as adversidades, com coragem, de forma limpa e transparente. Mesmo que a sua prisão possa estar ao virar da esquina”, escreve, acrescentando que em torno do caso de Lula há uma conjuntura a ter em conta: com o impeachment de Dilma, o cenário político brasileiro adensa-se em torno do PT como nunca e o “desespero” que se vive nas hostes do Governo “começa a ser evidente”.

Uma “jogada de risco” que pode salvar o PT
“Há uma grande dose de risco nesta jogada política e os resultados precisam de aparecer muito rápido” para Lula e o PT ser desculpabilizado, defende ao Observador o historiador e dirigente do Livre Rui Tavares, que sublinha o problema “moral” da solução encontrada mas que procura encontrar uma explicação para ela dentro do quadro político brasileiro.

Do ponto de vista moral não fiquei nada contente com esta solução, Lula teve um papel importante no PT e não é nada bom para o partido ficar associado a esta ideia”, diz.

É que, explica, a situação política no Brasil está “tão extremada” que os dois lados, tanto o Governo como a oposição, decidiram “ir à luta com tudo” jogando já o trunfo mais alto que tinham. Mas, diz, ambos os lados estão “queimados”, no sentido em que, se por um lado, o PT acha que tudo o que é contra Lula e contra Dilma é “golpe político” (e por isso adotam postura de resistência), por outro, a oposição acha que tudo o que vem do Governo é sinal de corrupção.

Mas aqui entra outra questão: a salvação do partido, numa altura em que Dilma está a ser criticada em todas as frentes. Para Rui Tavares, se Lula fosse nomeado apenas para um lugar simbólico no Governo, a imagem que passava era mesmo de admissão de culpa. Mas como vai para um lugar que equivale ao de primeiro-ministro, o desafio de Lula é agora provar que foi mesmo

E para isso os resultados precisam de aparecer rapidamente: avaliar, primeiro, as manifestações de rua, depois, ver se Lula consegue levar para o Governo ministros de peso, porque isso seria, segundo Rui Tavares, “um sinal de credibilidade e de força”, e, por fim, ver como reagem os partidos da base aliada do Governo, que se têm mantido céticos ou até críticos.

A verdade é que até os mais ativos blogs de esquerda brasileiros estão a evitar escrever sobre o assunto. Esse é, por isso, um dos desafios para Lula: convencer os céticos que têm estado silenciosos, dando um aparente benefício da dúvida.

* Admirámos Lula durante muito tempo pelo bem que fez ao povo brasileiro, agora sentimo-nos órfãos por sermos tão crédulos.

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