02/01/2016

PAULA SÁ

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O intervalo de Portas

Há homens assim que têm paciência para construir o seu futuro. Meticulosamente. E mesmo entre tempestades e sobressaltos, sabem para onde e ao que vão. Paulo Portas é um desses. Na verdade sempre quis ser político, mesmo quando foi jornalista. Lançou O Independente, em 1988, onde fez mais política do que muitos políticos no ativo. 

Nos bastidores do CDS-PP foi sombra de Manuel Monteiro. Passou de aliado a rival em 1998 porque quis sair da sombra para o palco. No partido "dos capitalistas", desceu ao proletariado. Gastou solas a convencer o povo de que se batia pelos mais desprotegidos. Foi assim que construiu a imagem do Paulinho das feiras. Carismático, o mais de todos os líderes centristas, fez crescer a bancada do CDS-PP até 21 deputados em 2009 e 24 em 2011.
Conseguiu ser ministro em mais do que um governo - um até lhe valeu uma das tempestades, o de Santana Lopes, que o afastaram do palco durante dois anos. Fez uma birra séria, na crise do irrevogável, mas saiu dela como vice-primeiro-ministro e repetiu a proeza, que só não foi duradoura porque o líder do PS se atravessou no caminho. Paulo Portas sabe ainda para onde vai e o que quer. 

Escolheu o momento que mais lhe convém para partir. Não o faz por mero altruísmo, para dar lugar "às novas gerações". Se assim fosse não se teria comprometido com Passos Coelho a ficar mais quatro anos se o governo de coligação resistisse à investida da esquerda. Se assim tivesse acontecido, lá regressaria o amigo do peito dos contribuintes e dos reformados. Só que esse papel, que o tornaria candidato a mais um Óscar na política, escapou-lhe das mãos e o protagonista principal agora é outro.
Portas percebeu que o barco de António Costa vai balançar, algumas vezes até ao enjoo, mas continuará a navegar. Marcelo tem sido transparente nesse sentido. Eleito presidente, se o for, os ventos de Belém vão ajudar à travessia. O ainda líder do CDS-PP sabe que se o governo socialista, "usurpador" como o classificou, conseguir chegar ao final da legislatura ganha asas para cumprir outra logo a seguir e, talvez mesmo, sem a ajuda da esquerda radical. Tempo demasiado longo, de desgaste, sem honra nem glória, para quem bebe da política e sabe a rota que traçou. Portas resguarda-se e ganha espaço para, daqui a dez anos, voltar ao papel principal como candidato à Presidência da República.
A luta pela liderança desenrola-se dentro de momentos no CDS-PP. Nuno Melo ou Assunção Cristas? Seja qual for terá uma vida difícil na oposição e a sua performance será sempre comparada à do líder cessante. Mas também no PSD a decisão de Portas tem consequências. Passos Coelho sai fragilizado no combate contra Costa. A alternativa de governo à direita sólida e firme esfuma-se e terá de ser reconstruída.


IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"

31/12/15


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