15/12/2015

ANA BACALHAU

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Não há teatro na guerra

Não sei por que lhe chamam «teatro das operações». Mas ao considerarem como «artes bélicas» aquilo que na verdade será o conjunto de habilidades demonstradas na guerra, deverão tomar como certo que ao palco onde elas são apresentadas se chamará «teatro» e a toda a sua envolvente, «cenário». De guerra, pois.

Permitam-me discordar: a arte não tem nada que ver com a guerra. Só se se referirem às guerras interiores, travadas pelos seus agentes, os artistas. As batalhas ganhas e perdidas com os seus «demónios», um inimigo que mora dentro da cabeça e do coração de cada artista, são a matéria-prima da sua obra. Será no palco do teatro que cada um deles irá transformar a dor em algo sublime e conseguirá através da sua arte chegar aos corações dos que os observam, não para os perfurar de morte, mas para os tocar profundamente.

Eram nove, as musas. Umas inspiraram a Música, outras a Tragédia, a Comédia ainda outras, depois a Dança, a Poesia, a História, a Astronomia e a Astrologia. Ao que parece, nenhuma delas terá inspirado a guerra. Nem as armas nem as atrocidades cometidas em nome de coisas que significam precisamente o contrário.

Porquê? Talvez porque as artes venham de um lugar onde o amor é fértil. E, como se poderá imaginar, a guerra é a negação do amor. Logo, não poderá inspirar a criação, mas instigar a destruição.

Daí a minha resistência em aplicar a metáfora estafada do cenário de guerra como o teatro das operações, exaltando o domínio das artes bélicas por cada adversário. Não, prefiro não aplicar metáforas à guerra, nem aligeirar as descrições das batalhas com recursos estilísticos. Muito menos parecer indicar que a guerra é fingimento. A guerra não é a fingir. Não se maquilha para entrar em palco e não se desmaquilha depois de sair. Tira a cor dos rostos de quem se atravessa à sua frente. Não vai para casa, descansar. Destrói as casas onde se descansa. Não agradece no final as palmas. Anuncia-se pelas balas.

No palco dos teatros de todo o mundo, defendem-se as obras criadas por mentes livres, que inspiram outras mentes a criar na sua vida um espaço humano comum. A morte está sempre presente, mas apenas para fazer lembrar que é a vida que importa celebrar.

VOCALISTA DOS "DEOLINDA"

IN "NOTÍCIAS MAGAZINE"
13/12/15


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