26/09/2015

KLÁRA BREUER

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Os húngaros são o mesmo povo 
que acolheu os refugiados da 
Alemanha do Leste há 25 anos 

Os húngaros lembram-se bem do tratamento que os refugiados de 1956 receberam em todo o mundo. Até hoje continuamos a gratos por isso. Mas também todos eles queriam integrar-se nas suas novas pátrias.

Os meios de comunicação internacionais estão repletos de imagens de Röszke, uma pequena aldeia na fronteira servo-húngara. Certamente, os habitantes dessa pequena terra nunca aspiraram a essa fama. Quando os migrantes passavam pelas suas propriedades, as pessoas da região sentiam que viviam numa espécie de corredor. Ajudavam quando podiam e sentiam-se infelizes com os cenários que os migrantes, às vezes, deixavam atrás de si.

A imprensa portuguesa também deu uma vasta cobertura mediática ao confronto entre a polícia húngara e os migrantes quando estes tentaram forçar a entrada através da cerca que a Hungria construiu, temporariamente, para proteger a sua fronteira e, consequentemente, a comunitária. Sem dúvida, a polícia aplicou, em Röszke, medidas fortes, mas a situação também era extrema.

A Hungria levantou, já no ano passado, a questão do número crescente de migrantes ilegais. Hoje já sabemos que não se prestou atenção suficiente à chamada “Rota dos Balcãs” que se foi desenvolvendo com muita rapidez. Nesse contexto, foi muito apreciado na Hungria o comentário do político alemão, Elmar Brok, referindo que o país foi abandonado a si próprio na questão da crise migratória.

De facto, no início muitas pessoas na Hungria sentiram que várias capitais europeias reagiam com pouco interesse às notícias alarmantes sobre a chegada constante de migrantes – refugiados e migrantes económicos. Não paravam de chegar. Apenas uma nota: a Hungria recebeu, só nos primeiros 9 meses deste ano, 200 mil pessoas que tinham atravessado ilegalmente a sua fronteira com a Sérvia. O ano passado este número foi de 45 mil e, em 2013, de 20 mil. Há uns meses a Hungria propôs uma conferência sobre a rota migratória dos Balcãs que ainda esperamos poder organizar num futuro próximo.

Torna-se cada vez mais claro que, para além de observar os nossos princípios fundamentais, precisamos de resolver os problemas muito concretos de como proteger as fronteiras externas da União, ou seja, a nossa zona de segurança comum atendendo, simultaneamente, às necessidades dos refugiados e migrantes. A proposta de solução das quotas apenas tocou a superfície do problema. Será que o nosso sistema actual só funciona em situações menos extremas?

Temos a noção de que vivemos num mundo mediático, imagens de um lugar ou de uma pessoa saltam para o mundo inteiro, exercendo um enorme impacto positivo ou negativo sobre a percepção de qualquer assunto. Neste momento a imagem da Hungria é bastante negativa, mas – na minha óptica – bastante unilateral, também. Não existe qualquer desculpa para os actos da operadora de câmara Petra László, mas é importante sabermos que ela está sob investigação judicial.

Não só cidadãos particulares e ONG mas também o Estado húngaro aumentou as suas capacidades para ajudar os migrantes. Durante semanas e meses, a polícia desempenhou as suas funções com muita paciência. A esposa do primeiro-ministro tem-se empenhado na ajuda dos refugiados através da Organização Ecuménica de Ajuda da Hungria. Apenas na semana passada, o Governo húngaro concedeu 200 milhões de HUF para apoiar a actividade da Cruz Vermelha Húngara, da Organização Ecuménica de Ajuda e dos Serviços de Assistência da Ordem de Malta na Hungria que têm dado assistência aos migrantes no país e, através das suas organizações parceiras, na Sérvia. Manifestei, também, a minha gratidão pela ajuda portuguesa para os refugiados, que neste preciso momento está a ser transportada pela organização AylanKurdiCaravan.

Zoltán Balog, ministro dos Recursos Humanos da Hungria disse, durante um programa de debate político no canal público alemão ARD, que os húngaros não mudaram: continuam a ser o mesmo povo que acolheu, há 25 anos, os refugiados da Alemanha do Leste e que, no início da Guerra dos Balcãs, foi o primeiro a ajudar as pessoas que fugiam da Jugoslávia que se estava a desintegrar.

Os húngaros lembram-se bem do tratamento que os refugiados de 1956 receberam em todo o mundo. Até hoje continuamos a sentir gratidão por esse acolhimento. Mas um desses refugiados, um senhor idoso que vive na Grã-Bretanha, lembrou que esses 200 mil refugiados fugiam dos perigos da morte ou da prisão iminentes, cooperavam com as autoridades e permaneciam em campos de refugiados até que um dos estados os acolhesse, sem ter uma palavra sobre a escolha do seu destino final. Sobretudo, queriam todos integrar-se e estabeleceram-se, na grande maioria cidadãos das suas novas pátrias.

Em meu entender, a dada altura terá de haver um debate profundo com a participação de políticos e cidadãos europeus sobre como a União Europeia deverá ajudar a resolver o problema muito complexo que originou este fluxo migratório. A diversidade de opiniões é bem reflectida nas cartas que recebo, enviadas por cidadãos portugueses, uns felicitando a Hungria pelo encerramento da fronteira, outros condenando essa mesma medida. Temas como a instabilidade do Médio-Oriente, o envolvimento da EU, a protecção das fronteiras, o tráfico de seres humanos, a ajuda concedida aos campos de refugiados estabelecidos na proximidade dos cenários de guerra deverão ser abordados nesse debate. Ao mesmo tempo, é minha convicção que neste momento o carácter urgente do problema não nos deixa muito tempo para uma longa discussão. A próxima reunião do Conselho Europeu será determinante para evitar problemas ainda mais graves.

O primeiro-ministro húngaro, recorrendo, sem dúvida, a palavras fortes, lembrou-nos a todos de que os Estados-membro têm obrigação de defender as fronteiras externas para podermos preservar o espaço Schengen. Disse, também, que a falta de controlo das entradas representava um risco de segurança para o continente. Perguntou, várias vezes, se tínhamos noção da distância entre a fronteira servo-húngara e a costa meridional da Europa. Reiterou, também, que os traficantes de seres humanos não deveriam ser encorajados pelo sentimento europeu de deixar entrar qualquer pessoa. E disse, de facto, que só os verdadeiros refugiados deveriam vir: a Europa não teria capacidade para acolher todas as pessoas. Podem parecer palavras duras, mas convém percebermos que não sem fundamento.

Seja através da defesa das fronteiras externas da UE, seja através da mobilização de recursos financeiros para os campos de refugiados perto das zonas de conflito e da ajuda aos refugiados em território húngaro, a Hungria quer contribuir para a resolução do problema.

Olhando para os rostos das crianças exaustas, dos idosos, dos maridos ansiosos por um futuro melhor para as suas famílias, todos sentimos o conflito nos nossos corações: queremos ser caridosos, mas não queremos importar problemas insolúveis para a UE. A integração daqueles que ficarão é uma questão-chave. Os diferentes países poderão suportar diferentes encargos na ajuda dos migrantes, em conformidade com as suas ligações históricas e com a sua presente situação económico-social.

Estou convencida de que se torna cada vez mais claro que a União Europeia está a enfrentar um dos desafios mais complexos da sua história, sendo que ele não é apenas europeu, mas global. Não queremos perder o nosso sentimento de compaixão mas, ao mesmo tempo, temos que perceber que não seremos capazes de deixar entrar a todos. Sabedoria, sensatez e bom coração – tudo será necessário para o Velho Continente poder preservar a sua identidade conforme está escrito no Preâmbulo do Tratado de Lisboa: “Inspirando-se no património cultural, religioso e humanista da Europa, de que emanaram os valores universais que são os direitos invioláveis e inalienáveis da pessoa humana, bem como a liberdade, a democracia, a igualdade e o Estado de direito”. Conseguiremos manter-nos leais aos nossos valores se o nosso objectivo for defender todos esses valores de uma forma equilibrada.

Embaixadora da Hungria em Lisboa

IN "OBSERVADOR"
22/09/15


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1 comentário:

A PXXDX DO CORREIO disse...

Este blogue sempre se propôs a integrar artigos de opinião de todos os quadrantes políticos, É também raro que os nossos pensionistas comentem artigos de opinião. Mas o execrável artigo de opinião da sra. embaixadora da Hungria leva-nos a abrir uma excepção. No artigo, veladamemte, concorda-se com a ordem do 1º ministro húngaro em autorizar as forças militres e de segurança de poderem disparar sobre refugiados sofredores e desarmados.No artigo concorda-se com uma autorização de entrada selectiva de refugiados, isto é salvam-se uns mandam-se para a morte outros.
O povo húngaro só tem de estar grato ao resto da Europa do ocidente ao receber os seus cidadãos fugidos quando da invasão soviética, ninguém lhes pôs condições para os acolher.
Viktor Orbán e seus seguidores são xenófobos e a sra. embaixadora da Hungria concorda com esta xenofobia e um jornal português parece que também.
A UE está a gerir de modo horrível esta crise sem precedentes,no entanto há países e cidadãos desses países com um comportamento admirável, Portugal é um deles.