08/08/2015

PEDRO MARQUES LOPES

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O programa eleitoral 
da coligação e o PSD

Digamos que o programa eleitoral da coligação está na linha da reforma de Estado apresentada por Paulo Portas: algo tão vago que foi esquecido horas depois de ser apresentado. Mas há alguns detalhes importantes, contudo. E o diabo, bem o sabemos, está nos detalhes.

Há uma razão bem mais simples do que as apontadas, como já está estar tudo no programa de estabilidade e crescimento ou se apontar para a simples continuação do que se fez, para o programa eleitoral ser uma mão-cheia de nada: é não se querer pura e simplesmente dizer o que se quer fazer. E a razão para nada se querer dizer, é que se se dissesse, o próprio eleitorado tradicional do PSD ficaria muito preocupado.

Apesar disso, há os tais detalhes que não enganam, os que apesar de muito disfarçados estão lá.
Trazer o plafonamento horizontal, a "liberdade" de escolha na saúde ou na educação indica um caminho. E, diga-se, um caminho defensável e que permitiria um debate sério na sociedade portuguesa. Defender que a partir dum determinado nível de salário, um cidadão pode optar por o esquema de pensão do Estado ou dum qualquer fundo privado, ou que se deve apostar mais no ensino privado do que no público, são opções ideológicas que merecem debate e que são até o cerne de opções fundamentais para a comunidade. Mais, um debate desse género permitiria que ficassem absolutamente claras as opções dos partidos da coligação. Sobretudo em política, não há mal nenhum em querer. Agora o que não é admissível é não dizer o que de facto se quer escondendo-o dos eleitores. E parece claro que é o que este PSD está a fazer. Estes temas são demasiado importantes para serem abordados com a ligeireza, com a vacuidade que este programa mostra.

Há, no entanto, a perceção por parte dos dirigentes atuais do PSD de que o seu eleitorado tradicional está muito longe de querer que o sistema de pensões seja em parte privatizado ou que a educação pública seja posta em causa. É por isso que se fala de plafonamento, mas não se fala a partir de que valor é que se pode optar por um sistema privado. Ser, por exemplo a partir de 2000 ou próximo ou 10 000 euros é radicalmente diferente, e no primeiro caso faria que a solidariedade entre mais ricos e mais pobres praticamente desaparecesse, que existisse uma verdadeira privatização da segurança social ou, na melhor das hipóteses, se prescindisse em grande parte do Estado como motor de equilíbrios sociais.

Do mesmo modo, fala-se de liberdade para a educação, mas não se explica de que forma isso será implementado. E não se diz porque isso inevitavelmente conduziria a uma degradação do ensino para os mais pobres (vide exemplos tentados em rigorosamente todos os países - o mais flagrante é o dos Estados Unidos - que tentaram esse caminho com consequências desastrosas) e ao bloqueio definitivo daquele que foi o principal fator de mobilidade social criado no pós-25 de Abril: a educação pública.

O eleitorado do PSD parece entender que a governação dos últimos quatro anos foi uma inevitabilidade. Que foi preciso gerar muito desemprego, que não era possível investir, que era preciso cortar pensões, salários, prestações sociais que se tinham de expulsar quase 500 000 portugueses do país, que o risco de empobrecimento tenha tido de atingir proporções dantescas. Mais, acredita que a partir de agora se pode olhar para a frente com outros olhos. Mas, lá está, convinha dizer-lhe qual o caminho a partir de agora. E dentro das opções fundamentais estão, exemplarmente, aquelas duas.

É através delas, entre outras, que se vai definir o futuro ideológico do PSD e o que ele quer para o país. Por um lado, temos aqueles que sabem que a raiz profunda do PSD e das suas bases estão longe de apoiar uma viragem do partido para uma direita à espanhola ou ainda mais radical. Por outro, temos uma espécie de Tea Party à portuguesa que rodeia o primeiro-ministro, com o apoio e a inspiração da Fox News à portuguesa, ou seja, a opinião do jornal online Observador.

A questão é que manda neste PSD são os segundos. Gente que quer impor uma agenda e uma ideologia que nada tem que ver com a história, com os valores e com o eleitorado tradicional do PSD (não confundir com o aparelho, esse não se preocupa com essas coisas mesquinhas como ideologia ou valores, mas apenas poder). E, sabendo-o, não dizem ao que vêm.

Para o país era muito importante saber o que de facto o governo quer. Não se propõem mudanças radicais na maneira como a comunidade está organizada - financiamento da Segurança Social, educação, saúde - não explicando exatamente ao que se vem.

Não se pode também ignorar que o PSD é fundamental na nossa democracia. É assim da maior importância saber o caminho que está a tomar. É que a tomada de poder em curso - e que se consolidou nos últimos quatro anos - pode transformá-lo definitivamente em algo que ele nunca foi. Estará em causa até a sua sobrevivência como partido central no nosso sistema político.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
02/08/15

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