11/08/2015

NANCY ALEXANDER

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A era dos mega-projectos

Parece que estamos a entrar numa nova era de mega-projectos, pois os países, em particular os dos G-20, mobilizam o sector privado a investir fortemente em iniciativas de infra-estrutura de milhões de dólares (ou milhares de milhões de dólares ou biliões de dólares), tais como oleodutos, barragens, sistemas hidráulicos e eléctricos e redes rodoviárias.
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Os gastos em mega-projectos já representam cerca de 6 a 9 biliões de dólares por ano, perto de 8% do PIB mundial, fazendo deste "o maior boom de investimento na história humana". E a geopolítica, juntamente com a busca do crescimento económico, de novos mercados e de recursos naturais canalizam ainda mais financiamento para os projectos de infra-estrutura de larga escala. No auge de uma possível explosão sem precedentes deste tipo de projectos, tanto os líderes mundiais como os bancos parecem relativamente alheios às custosas lições do passado.

Certamente, os investimentos em infra-estruturas podem servir necessidades reais e ajudar a cobrir o esperado aumento na procura de alimentos, água e energia. Mas, a menos que a explosão dos mega-projectos seja cuidadosamente re-direccionada e gerida, é provável que o esforço seja contraproducente e insustentável. Sem controlos democráticos, os investidores podem privatizar os ganhos e socializar as perdas, consolidando abordagens com elevadas emissões de carbono e que geram outros prejuízos ambientais e sociais.

Para começar, há a questão da eficácia do custo. Em vez de adoptar uma filosofia do "pequeno é bonito" ou do "quanto maior, melhor", os países devem construir a infra-estrutura de "escala apropriada" para responder aos seus objectivos.

Bent Flyvbjerg, um professor da Universidade de Oxford especializado em gestão e planificação de programas, estudou 70 anos de dados para concluir que há uma "lei de ferro dos megra-projectos": quase invariavelmente "excedem os seus orçamentos e calendários, uma e outra vez". São também, acrescenta, exemplos da "sobrevivência do menos apto", com os piores projectos a serem construídos, em vez dos melhores.

Este risco é aumentado pelo facto de estes mega-projectos serem impulsionados em grande medida pela geopolítica – e não por uma cuidadosa avaliação económica. De 2000 a 2014, enquanto o PIB mundial mais do que duplicou para 75 biliões de dólares, a participação dos países do G-7 na economia mundial desceu de 65% para 45%. Com a arena internacional a ajustar-se a este reequilíbrio, os Estados Unidos começaram a preocupar-se com o desafio a esta hegemonia que implicam os novos jogadores e instituições, tais como o Banco Asiático de Investimento para Infra-Estrutura, liderado pela China. As instituições lideradas pelo Ocidente, como o Banco Mundial e o Banco Asiático de Desenvolvimento, reagiram ampliando agressivamente as suas operações de investimento em infra-estrutura e estão abertamente a apelar a uma mudança de paradigma.

O G-20 também está a acelerar o lançamento de mega-projectos, na esperança de impulsionar as taxas de crescimento mundiais em pelo menos 2% até 2018. A OCDE estima que serão necessários 70 biliões de dólares adicionais em infra-estruturas até 2030 – um gasto médio de pouco mais do que 4,5 biliões de dólares por ano. Por comparação, estima-se que serão necessários 2 a 3 biliões de dólares por ano para atingir os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável. Claramente, nos mega-projectos o potencial para desperdício, corrupção e aumento da dúvida pública insustentável é elevado.

A segunda questão que deve ser considerada são os limites do planeta. Numa carta ao G-20 de Março de 2015, um grupo de cientistas, ambientalistas e líderes de opinião alertavam que aumentar o investimento em mega-projectos arrisca prejuízos irreversíveis e catastróficos para o ambiente. "Todos os anos consumimos aproximadamente um planeta e meio de recursos", explicaram os autores. "As decisões sobre infra-estrutura devem aliviar, em vez de exacerbar, esta situação".

Da mesma forma, o Painel Inter-governamental sobre Alterações Climáticas alerta que "os desenvolvimentos em infra-estruturas e produtos de grande durabilidade que obrigam as sociedades a manter intensas emissões de gases podem levar a comportamentos muito difíceis ou custosos de alterar". E, de facto, o G-20 implementou poucos critérios sociais, ambientais ou climáticos na "lista de desejos" para os mega-projectos que cada país-membro deve apresentar na Turquia em Novembro.

O terceiro problema potencial dos mega-projectos é a sua dependência das parcerias público-privadas. Como parte do foco renovado nos investimentos de larga escala, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e outros credores multi-laterais lançaram uma iniciativa para re-desenhar as finanças para o desenvolvimento mediante, entre outras coisas, a criação de novas classes de activos de infra-estrutura social e económica para atrair o investimento privado. "Devemos aproveitar os biliões de dólares nas mãos de investidores institucionais…e dirigi-los para projectos", disse o presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim.

Ao usar dinheiro público para compensar o risco, as instituições esperam atrair investidores institucionais de longo-prazo – incluindo fundos de investimento, companhias de seguros, fundos de pensões e fundos soberanos – que, em conjunto, controlam uns estimados 93 biliões de dólares em activos. A sua esperança é de que aproveitar esta enorme reserva de capital lhes permitirá dar dimensão às infra-estruturas e transformar as finanças para o desenvolvimento de formas que antes teriam sido inimagináveis.

O problema é que as parcerias público-privadas devem proporcionar um retorno competitivo sobre o investimento. Como resultado, de acordo com investigadores da London School of Economics, "não são vistas como um instrumento apropriado para projectos [de tecnologia de informação] ou em casos em que possíveis problemas sociais limitem os custos aos utilizadores que podem fazer do projecto interessante para o sector privado". Os investidores privados procuram sustentar a taxa de retorno dos seus investimentos através de fluxos de receitas garantidas e ao assegurar que as leis e regulações (incluindo requisitos ambientais e sociais) não reduzem os seus lucros. O risco é que a busca por lucro venha a prejudicar o bem público.

Por fim, as normas que regem o investimento de longo prazo não incorporam eficazmente os riscos ambientais e sociais, como enfatizado pelos sindicatos e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Consolidar em carteiras os investimentos em infra-estruturas ou transformar os sectores de desenvolvimento em classes de activos poderá levar à privatização dos ganhos e à socialização das perdas a uma escala massiva. Esta dinâmica pode aumentar os níveis de desigualdade e prejudicar a democracia, devido à falta de influência que os governos – e, muito menos, os cidadãos – podem ter sobre os investidores institucionais. Em geral, as normas e os acordos comerciais multiplicam estes problemas ao colocar os interesses dos investidores sobre os dos cidadãos comuns.

Deixado por examinar, o impulso por mega-projectos arrisca – nas palavras dos autores da carta ao G-20 - "duplicar a aposta por uma visão perigosa". É fundamental que asseguremos que qualquer transformação das finanças para o desenvolvimento se desenhe de forma tal que respeite os direitos humanos e proteja o planeta.

Nancy Alexander é directora de "governance" económica na Heinrich Boell Foundation, América do Norte.

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
06/08/15

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