17/07/2015

FILIPE LUÍS

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O momento Lili Caneças de Cavaco

Cavaco é o hipopótamo da fábula que, apontando para a dívida do lado, diz, entre dentes: 'Coitadinho do crocodilo...'

Até há poucos dias, tudo nos separava da Grécia: tínhamos tido uma saída limpa do resgate. As taxas de juro da dívida batiam recordes negativos. As reformas e os cortes exigidos pela troika tinham sido cumpridos. O défice iria baixar dos 3% este ano. Antecipavamos pagamentos ao FMI. Os portugueses tinham feito e continuavam a fazer sacrifícios. A razão dizia-nos que, mesmo que a Grécia saísse, Portugal não seria afetado. Não poderíamos ser o próximo a sair do euro. É nesta linha que aparecem as esclarecedoras palavras de Cavaco Silva que resumiu: "Se a Grécia sair, em vez de 19, seremos 18, na Zona Euro". Lili Caneças não diria melhor.

A frase de Cavaco Silva é a metáfora perfeita do que está a acontecer à Europa: egoísmo, autismo, falta de conhecimento histórico, hipocrisia e uma inacreditável cobardia. Cavaco é o hipopótamo da fábula que, apontando para a dívida do lado, diz, entre dentes: "Coitadinho do crocodilo..." O problema é que a frase de Cavaco, que isola a Grécia e nos separa do seu destino, não tem correspondência com a realidade, como ficou demonstrado, esta semana, na bolsa lisboeta - a maior queda da Europa - e com a subida das taxas de juro, a maior apreciação a seguir à da dívida grega, em todos os prazos. O coração dos mercados tem razões que a razão desconhece.

A questão é que a discussão já nem sequer se coloca na aposta sobre qual será o próximo a cair. Assim que o desmembramento no euro se torne real, desencadeia-se uma tempestade em todo o sistema. Saindo a Grécia, a Zona Euro deixa de ser vista como uma união monetária irrevogável. Assim, os principais benefícios dessa união (que padece do handicap de não ser, também, uma união bancária) esfumar-se-iam. A possibilidade dos investimentos a longo prazo diminuiria. Os empréstimos à banca dos países mais vulneráveis ao défice, mesmo com as atuais garantias do BCE, deixaria de existir. Seguir-se-iam fugas de capitais (como já acontece na Grécia). Os juros disparariam. Tudo junto teria como resultado a impossibilidade de um reajustamento dentro da Zona Euro, aumentando o perigo de implosão.

A resposta política do Governo e do PS a esta catástrofe tem sido incompetente. Passos Coelho ziguezagueou entre a garantia de que Portugal estava preparado para o embate da saída da Grécia do euro e o reconhecimento de que nenhum país está imune. A resposta do PS é ainda mais confusa. Carlos César apontou ao Syriza um exagerado radicalismo. Outro dirigente socialista, Marcos Perestrello, acusou os gregos de errarem, "ao escolherem a confrontação", e o Governo de errar ao "não se empenhar" para chegar a um acordo. Poderá o PS explicar o que teria mudado nesta história? As declarações de Marcos Perestrello não acrescentam nada. São frases chochas de comentador político que só sublinham a ausência de António Costa e comprovam a inexistência de um plano, no presente cenário europeu. Ficamos sem saber se o PS concorda com as exigências dos gregos ou se se coloca ao lado das instituições. Ou se, dando de barato que seria possível um meio termo (uma descoberta da pólvora que ninguém conseguiu fazer, em cinco meses de negociações...), em que pontos exatamente se situaria esse meio termo.

A crise grega pode fazer com que todos os nossos sacrifícios tenham sido em vão. Mas, nas sedes partidárias, já se discute quem ganhará com isto, do ponto de vista eleitoral. Perdemos todos. E perder é o contrário de ganhar, já lá diria o Presidente da República. Ou uma conhecida socialite.

IN "VISÃO"
03/07/15


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