13/07/2015

ANDRÉ MACEDO

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Dignidade

Morreu Rui Semedo, um banqueiro normal com o ego bem resolvido - uma raridade nos tempos atuais -, um homem capaz de pequenos gestos extraordinários. Era uma pessoa como as outras, fazia tudo com naturalidade, sem se empoleirar no cargo, sem criar barreiras com os outros, sem um pingo de petulância ou de agressividade. Gostava mais de ouvir do que de falar. Outra raridade. Não se exibia. Sabia fazer perguntas, escutar, aprofundar os assuntos. Aprendia-se muito com ele. Rui Semedo tinha alma de jornalista, de bom jornalista. Ou talvez fosse apenas um grande leitor. 

Cultivava um gosto genuíno por jornais - não para os influenciar, apenas para os ler. A primeira pessoa que me falou da Monocle, já lá vão uns anos, foi ele - ainda poucos haviam dado conta da novidade, mas ele descobrira o tesouro nas visitas constantes que fazia às lojas onde se abastecia. Ele lia tudo. Comprava tudo o que era bom e trouxesse inteligência, algum saber. Guardava muita coisa, arquivava, como fazem os jornalistas ou os bons leitores, para um dia talvez recordar ou apenas para ter ali ao lado. Rui Semedo era dos que faziam parte do bem, não do mal - como me costuma dizer um outro bom amigo quando divide o mundo em poucas e certeiras palavras. Para um banqueiro é uma escolha difícil, esta de fazer parte do bem. É uma opção que se faz todos os dias e que traz dificuldades a quem exerce o poder sobre os outros. Não era um monge, tinha defeitos e fraquezas, cometia erros - era um homem normal. A última vez que nos encontrámos foi em janeiro, eu não sabia que ele estava doente. Pareceu-me a mesma pessoa de sempre, sem contas a ajustar, disponível para conversar. Falámos um pouco sobre a Grécia e de como estava tudo de pernas para o ar. Embora o Syriza ainda não tivesse sido eleito, disse-me que temia que entrássemos numa fase radical. 

Disse-me que o radicalismo não é uma característica apenas da extrema-esquerda, é a resposta errada ao que não se conhece ou se recusa conhecer. Assim está a Europa, virada para dentro, virada do avesso. Morreu Rui Semedo, o banqueiro que sabia que o valor das pessoas não depende do seu êxito ou da conta bancária, mas da sua dignidade.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
05/07/15

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