08/06/2015

JÚLIA CARÉ

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ESTADO DE GRAÇA

A recente apresentação do novo programa de governo na ALR, enquanto primeira prestação pública da novel equipa governativa, marca a diferença e parece inaugurar uma nova postura mais polida e cordata, que desperta natural curiosidade. Adivinha-se novas sensibilidades, pelo menos na aparência… Todavia, e como estamos ainda no chamado período de “estado de graça”, por precaução, é melhor não entoar muitas loas, porque o caminho ainda vai longo e os exemplos políticos não desapareceram na noite eleitoral da contagem dos votos; tão logo chegarão os momentos de crispação, com a execução concreta das decisões políticas. Aguardemos pela discussão do orçamento retificativo…

O primeiro-ministro é que aproveitou o “estado de graça” regional, para se lançar no charme da pré-campanha para as legislativas nacionais e passar uma esponja sobre a sua governação. Ele foi promessas, ele foi anuências, ele foi consensos sobre quase tudo. Juros da dívida regional, ligações aéreas com o continente, fundos de coesão, isolamento do Porto Santo, de repente só boas vontades, pontuados de beijinhos, aplausos e louvaminhos a rodos. E violinos em fundo. Compromissos assinados, zero; muitos sorrisos, palmadinhas nas costas e troca de elogios. Para levar a sério? É melhor continuar a não esperar por resoluções repentinas de problemas que não sendo de agora, não se adivinham de saída fácil. Para isso seria necessário sensibilidade social, posicionamento ideológico e vontade política. E a praia de Passos é outra.

Dos ecos mediáticos acerca do que a novel equipa cá de casa se propõe fazer, duas questões se registam, a começar pela Educação e pela discutível intenção do titular da pasta, de fechar escolas. Sobrarão assim tantos espaços escolares? Sabe-se é que nos últimos tempos foram dadas indicações para o aumento do número de alunos por turma e, não sendo consensual que haja um número ideal, sabe-se é que, com turmas mais pequenas é mais fácil controlar problemas disciplinares, atender a alunos com necessidades especiais e promover uma melhor qualidade educativa. Por outro lado, e não desmerecendo a sugestão do Secretário da Saúde de transformar escolas desativadas a favor dos idosos, lembre-se que nesta região e por insuficiência de espaços, as escolas atualmente em funcionamento, fazem-no em regime duplo: manhã e tarde. Donde, não seria melhor, em vez de encerrar escolas, promover de uma vez por todas, a escola de turno único ou contínuo, à semelhança dos Açores, de muitas regiões no Continente, e da generalidade das escolas dos países europeus? Se todos os alunos tivessem aulas desde a manhã até meio da tarde, sobraria espaço e tempo para atividades extracurriculares, para desporto escolar, para reuniões de professores, etc.

A outra questão que se acompanha com igual curiosidade, é a de um anunciado Instituto da Floresta e da Natureza, ou coisa que o valha, ideia já anteriormente proposta por outras forças políticas, mas naturalmente recusada. Este é um assunto de notável importância, que no passado recente foi completamente menosprezado pela euforia do betão. A experiência tem demonstrado como a natureza vulnerável do nosso território insular, as questões climáticas e a prevenção de incêndios revestem a gestão da floresta e dos terrenos agrícolas de especial importância, a que se junta como é bom não esquecer, a responsabilidade de zelar por um Património Mundial, a Floresta Laurissilva. Sabe-se que a manutenção da nossa paisagem natural, que tanto encanta naturais e visitantes, passa por uma adequada limpeza dos terrenos e controlo de espécies vegetais infestantes, prejudiciais ao nosso ecossistema e facilmente inflamáveis em caso de incêndio. E sabe-se também que a urbanização desenfreada das últimas décadas levou ao abandono de práticas agrícolas, fonte de verde na paisagem, e que urge intervenção, quer nas zonas de floresta, mas também na zona periurbana, onde convivem desordenadamente espaços habitacionais com focos de incêndio em terrenos abandonados. 

Falta uma cultura de ordenamento do território e falta uma responsabilidade cidadã no que respeita à limpeza dos terrenos baldios, um imperativo de bom senso consagrado na lei, mas que ninguém cumpre. Com a conivente negligência por parte de responsáveis governativos. E já que o assunto é a floresta, nem de propósito, um dia destes em contexto de sala de aula, lia-se num dos manuais de língua estrangeira, sobre um projeto interessante lá para as bandas dos Alpes. Real ou fictício, o dito consistia em oferecer atividades de férias em ambiente natural, e os candidatos teriam estadia gratuita durante uma semana, precisando apenas pagar a viagem de ida e regresso, envolvendo-se em contrapartida em trabalho diário na floresta, desde limpeza de espaços, recolha de ramos caídos e reposição de caminhos pedonais, orientados por técnicos da floresta… O projeto garantia trabalho árduo, mas em troca, umas revigorantes férias em plena natureza… Mas isso, claro, são coisas lá para os Alpes!

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
05/06/15

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