29/05/2015

INÊS DE MEDEIROS

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As três irmãs

Na ideia de virmos a celebrar o Dia dos Irmãos, o José Ribeiro e Castro pediu-me para escrever um texto sobre as minhas irmãs. Permitam-me que comece com uma pequena história que nada tem que ver com elas.

Estava a fazer pesquisa para um documentário sobre o que é ser operário hoje com uma querida amiga, minha homónima. Éramos só as duas. Quando nas apresentações respondíamos quase em simultâneo, as duas "Inês", havia sempre uma leve hesitação por parte do nosso interlocutor; e não foram raras as vezes em que a reação foi: "Ah, são irmãs...".

Esta resposta sempre nos surpreendeu e divertiu, porque se há coisa que irmãos não podem partilhar é o nome próprio. Partilham uma herança familiar representada por um apelido, com tudo o que isso implica de memórias comuns, trajetos, contextos e afetos; mas não partilham nem podem partilhar o que os faz únicos nesse universo comum. E se há coisa que admiro e respeito nas minhas irmãs é o que as torna únicas, a forma como vivem e transformam um património que as três recebemos. Gosto das pessoas que são, das mulheres que se tornaram.

Curiosamente é também o que fascina quando temos filhos. Perceber que, apesar do esforço, enquanto pais, de não fazer qualquer distinção na educação que lhes damos, eles se desenvolvem de forma distinta e revelam a sua sensibilidade particular.

Amar o que é idêntico é fácil; amar, perceber e reconhecer a diferença é bastante mais difícil, mas também muito mais gratificante, pois é sobre ela que se constrói a verdadeira cumplicidade.

Somos três raparigas, filhas de um mesmo pai. É evidente a influência dele nas nossas escolhas de vida. Crescemos rodeadas de músicos, de poetas, de cantores, de artistas. A vida nómada não nos assusta. Tivemos a sorte de crescer com um exemplo raro de curiosidade, criatividade e entusiasmo, mas sobretudo de generosidade. Ensinou-nos que arte é partilha, que é com e por ela que se olha e muda o Mundo. Que criar é um ato cívico, nunca um capricho.

A partir daqui o que interessa é o que cada uma de nós fez e continua a fazer desta herança. Não sei se sou a melhor espectadora do que fazem as minhas irmãs, uma música, outra atriz e realizadora como eu, no sentido em que há obviamente uma expectativa emocional especial. Mas será a imparcialidade a condição essencial para avaliar uma obra de arte que apela sempre às emoções? Sei que me angustio tanto ou mais que elas, em véspera de estreia. Sei que sou mais exigente... Quero poder esquecer-me que são minhas irmãs.

Lembro-me de um espectáculo de Corneille em que a força dramática que a Maria transmitia era tanta, que por momentos eu não a reconheci. Lembro também quando a minha irmã Ana me trouxe uma maqueta com músicas para um filme que eu própria estava a realizar. Embora correspondesse em absoluto ao que eu lhe tinha pedido, fui surpreendida pelo talento, pela sensibilidade e pela inteligência com que transformara o que eu própria desejara.

Estes momentos em que aqueles que amamos e pensamos conhecer perfeitamente nos surpreendem são o melhor que podemos viver. Só comparável com os momentos em que nos reconhecemos enquanto família, nos gestos, nas reações, na forma como encaramos o Mundo.

Se há algo que as três partilhamos, que também herdámos do nosso pai, é a necessidade e a capacidade de continuar a rir.

Artigo escrito no quadro dos trabalhos de cidadania para instituir o "Dia dos Irmãos", a 31 de maio.

* Actriz e deputada à A.R. pelo PS

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
28/05/15

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