07/04/2015

MAMI PEREIRA

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Crónicas Mexicanas

Hoje não há crónica para ninguém. Ia escrever sobre as praias maravilhosas cá do sítio mas está um calor de fritar batatas que afasta qualquer musa vaidosa destas coordenadas.

São duas da tarde e estou num barzinho à beira-mar, a tentar apanhar as letras certas deste teclado suado. É como tocar Rachmaninov com azeite nos dedos. Um disparate pegajoso e pegado.
Se houvesse um termómetro ao lado daquela ventoinha cansada, ia cozer a 44 graus com 80% de humidade, o que me diz que há quase tanta água no ar como no mar, com a diferença que esta vem com a frescura de uma sopinha. Tomar "banhos" de Sol nunca fez tanto sentido.

O melhor da vida
Um mês neste país e já consigo tratar as águas pelos nomes. Lá em cima está o impossível Caribe, para quem gosta de gastar muitos dólares para ver peixinho às cores; cá em baixo está o pitorescoPacífico, para quem prefere comê-los baratos, acabados de sair das redes dos pescadores, entre tubarões e camarões. Aqui estão as praias dos velhos atlas, intocadas e selvagens. Lá no meio estão os mares secretos dos vulcões de água doce e azul, estão também os grandes lagos a embalar muitas ilhas filhas, três rios bem navegados, centenas de cachoeiras, milhões de duches e banheiras. Não é só nome, neste país há mesmo água por todo o lado.
Ao longe vejo um grupo de "nicas" a chapinhar à beira-mar, todos vestidinhos da Silva. Não percebo como é que há tanta roupa que aquece mas nenhuma que arrefece.

Scooby, Don't!
Divago, enquanto penso no meu suado dinheiro a fugir sob a forma de desodorizantes com aromas tropicais. Desisto! A fonte da criatividade secou. Já eu, escorro tanta água que me vou tornando rio.
"Adeus crónica. Do que eu preciso é de uma boa praia." Sorrio, já imaginando as doçuras de uma costa alentejana, só para depois perceber que playa em "nicaraguës", não é bem a tradução de praia em português.

Numa história de índios e cowboys
Poneloya, Penitas, Popoyo, Maderas, Mahahual ou Hermosa... Aqui, quando o mar enrola na areia (negra como quadro da primária), quem desmaia sou eu. Na Nicarágua aprendi a tomar banho na pré-rebentação, já que a dita rebentação fica muito à frente do nome. Quando o Fernão de Magalhães chamou Pacífico a este oceano, esqueceu-se de juntar o asterisco a dizer - "Olhem que estou a ser irónico, rapaziada."

O guia avisa-me que a Nicarágua é conhecida pelas "praias surfistas".  
O que ele se esquece de decifrar é que isso significa "ou entras de prancha ou sais de ambulância". Mas acreditem que a visão de corpos esculturais em loiros oxigenados não compensa as esfoladelas que se ganham, ao abraçar com paixão as rochas timidamente escondidas num mar rebelde sem causa.
"Mas quem é que precisa de ir à água? Posso perfeitamente bronzear-me neste negrume em pó." -, pensa aqui a desgraçada banhista, pingando óleo de coco. "Se ao menos corresse uma brisazinha." E é nessa altura que eu descubro outro intraduzível desta magnifica margem Norte: el viento (não confundir com o vento português).

Quem-é-quem?
O vento aqui não corre, voa à velocidade da luz. O que se sente numa tarde ventosa de Guincho, são cócegas de pai, ao pé dos 3409 micro-mísseis por segundo destas tempestades de areia. Não há pele que resista nem amaciador que resolva.
E é então que aqui a sereia, metade mulher, metade escaldão, com um vestido de areia dos pés aos cabelos, decide que afinal já não precisa de praia. Há umas piscinas de plástico tão jeitosas ali no mercado.... Ficavam mesmo bem, ao sabor do ar condicionado, ali no meio do meu quarto.
Aposto que conseguia escrever uma bela crónica sobre as magníficas praias deste sítio. Obrigada musas!

IN "DINHEIRO VIVO"
06/04/15


* Mami Pereira decidiu viajar durante seis meses, do México ao Panamá. Lá para Junho está de regresso a Portugal. Entretanto, escreve todas as semanas no Dinheiro Vivo.

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