19/04/2015

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ESTA SEMANA NO
"SOL"

24 menores mortos em 4 anos

As crianças “não se calavam”, eram muito “traquinas” e era preciso pô-las “na linha”. Herlander Félix Bexiga disse aos inspectores da Polícia Judiciária (PJ) que nunca quis fazer mal aos enteados, mas admitiu que lhes dava umas “palmadas de correcção”. Na última sexta-feira, a violência atingiu o extremo: Maria Isabel, a mais nova dos dois irmãos, foi espancada na banheira. Sofreu um traumatismo craniano e morreu no dia seguinte. Tinha dois anos. O irmão, de quatro, permanece internado a recuperar das lesões infligidas pelo padrasto. Dois dias antes, Henrique, de apenas cinco meses, tinha sido esfaqueado pelo pai - num acto de retaliação contra a mulher.
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Maria Isabel e Henrique vão engrossar uma estatística preocupante. Entre 2011 e Março deste ano, a PJ investigou 24 homicídios de menores de 12 anos, sendo que metade tinham menos de três anos. Metade das vítimas morreram às mãos dos próprios pais (o pai protagonizou sete casos e a mãe cinco); os restantes 12 crimes foram cometidos por outros familiares, como avós, tios ou padrastos.
Há um padrão marcante na grande maioria dessas situações: após matarem os filhos, muitos progenitores suicidaram-se - algo comum sobretudo entre as mães, que agem para chamar a atenção ou por 'piedade', arrastando consigo os filhos por entenderem que ficariam pior sem elas.

Maus-tratos dão em média duas perícias por semana 
Em 2012, em Castro Marim, uma mulher regou com gasolina o quarto onde estava com os dois filhos, de 11 e 13 anos, ateando-lhe fogo com um isqueiro. A mulher tinha distúrbios psiquiátricos e já ameaçara matar-se, garantindo porém que os filhos ficariam bem. No mesmo ano, em Alenquer, outra mulher incendiou a casa e fechou no quarto os dois filhos, de 11 meses e dois anos, para se vingar do companheiro. “Desgraçaste a minha vida, agora vou desgraçar a tua”, escreveu-lhe num bilhete.

Já os pais são movidos por um instinto egoísta e ciúme - porque a mulher partilha os afectos com os filhos -, ou por raiva - querem atingir a mãe e as crianças são um instrumento fácil. Isso mesmo aconteceu na semana passada, em Linda-a-Velha (Oeiras), quando João Barata esfaqueou o filho de cinco meses depois de a mulher ter ameaçado separar-se. O facto de estar desempregado e de ser sustentado pela companheira também terá agravado o seu ressentimento.

Há casos, contudo, em que no seio das famílias existe já um lastro de violência e de maus-tratos continuados, que acabam por se revelar fatais para as crianças. Em média, por semana, entre 2011 e 2013, os peritos do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses examinaram dois menores de seis anos de idade com sinais de maus-tratos. Nesse período, foram feitas 279 perícias, tendo-se registado um aumento bastante significativo: de 59 casos em 2011 para 137 em 2013.

João Pinheiro, vice-presidente do Instituto, diz ao SOL que este aumento pode ser explicado pela maior sensibilização da sociedade, que denuncia mais.
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Mas alerta que pode haver mortes que passam despercebidas: “O síndrome de morte súbita lactente (nos bebés até um ano) deixa certamente escapar mortes violentas perpetradas pelas mães”. No estudo feito pela Medicina Legal, o pai e a mãe foram os agressores em 45% das situações (30% a mãe e 15% o pai) e os padrastos em 4%. Tios, avós e primos são responsáveis por 20% das restantes agressões.
 
Comissão recebeu queixas mas não actuou a tempo
Maria Isabel foi espancada pela última vez na sexta-feira, na casa onde vivia com a mãe, o irmão e o padrasto, em São Julião do Tojal (Loures). Tudo terá acontecido por causa de uma birra inocente. Nessa manhã, o padrasto quis dar-lhe banho, mas a menina resistiu. O cabo-verdiano, de 28 anos (referenciado pela Polícia por furtos e tráfico de droga), terá perdido a paciência e, mais uma vez, recorreu à violência. Tal como João Barata, está preso preventivamente.

'Bia', como era conhecida, e o irmão já se tinham queixado aos avós maternos. A situação era, de resto, bem conhecida das autoridades há pelo menos sete meses. Fonte da Junta de Freguesia de São Julião do Tojal garantiu ao SOL que, em Setembro, os técnicos da junta e do centro de saúde da zona alertaram a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Loures. Ao que o SOL apurou, havia incumprimentos constantes por parte da mãe, Cátia Teixeira, de 26 anos, que não levava os filhos às consultas e negligenciava necessidades básicas.

A família vivia num quadro muito precário - a casa não reunia condições mínimas - e recebia apoio do Banco Alimentar: todas as semanas, Cátia ia levantar alimentos à associação do bairro. Ao contrário do companheiro, trabalhava. E terá sido dessa forma, tentando desresponsabilizar-se, que se 'justificou' perante a Polícia, após a morte da filha: como passava o dia fora, era Herlander quem ficava a tomar conta dos filhos. “Sabia o que se passava, as crianças já se tinham queixado várias vezes, só que desvalorizou sempre”, disse ao SOL fonte policial.

 Quando foi chamada pela Comissão, Cátia deu consentimento para os técnicos apurarem a situação, embora com grandes resistências e desvalorizando sempre os relatos dos filhos. Os técnicos também tentaram ouvir a ama que por vezes ficava com 'Bia', mas esta recusou fazer declarações. Como as duas crianças eram filhas de pais diferentes, e tal como a lei impõe, a comissão tentou também chegar à fala com os progenitores e, no caso de Carlos, tinha concluído recentemente que o pai era incógnito. A certa altura, a criança começou a faltar à escola - uma tentativa de o padrasto esconder as marcas das agressões, mas isso nunca terá sido reportado pela escola à CPCJ.
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Certo é que os técnicos não conseguiram actuar a tempo de salvar 'Bia' e o irmão Carlos. Porque parece haver falhas de várias partes, a Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco já instaurou um inquérito. Em última instância, os técnicos podem ser responsabilizados pelo que aconteceu. Fátima Duarte, que tem a cargo essa auditoria, recusa pronunciar-se para já, mas sublinha que, por lei, só é possível retirar crianças que estão em perigo de vida e os pais se opõem à intervenção: “Além de não haver técnicos formados para perceber o grau de perigo em que a criança se encontra, para depois agir em conformidade, há sempre uma imprevisibilidade grande nestas situações”.
 
Quando as mães fecham os olhos e são coniventes 
Perante este contexto, dificilmente Carlos regressará a casa. Apesar de a mãe visitar o filho no hospital, o Ministério Público não deverá permitir que a criança volte para o ambiente que a colocou em risco. Cátia foi ouvida, para já, como testemunha, mas o cenário pode mudar com o desenrolar da investigação.
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António Teixeira, ex-inspector da PJ que trabalhou vários anos na secção dos homicídios, lembra que a mãe dos menores pode ser responsabilizada: “Há que analisar o resultado da autópsia e perceber se as crianças tinham lesões consolidadas, infligidas ao longo do tempo. Se sim, ela deverá ser questionada sobre o que fez ou não para o evitar. Um homicídio admite vários graus de culpa e é possível ser-se responsabilizado também por omissão”.

Fátima Duarte, por seu lado, diz que os maus-tratos não estão a aumentar, mas “as situações são hoje mais complexas e extremas”. A jurista sublinha ainda que, “apesar de a Justiça actuar hoje com mais diligência, ainda responde muito mal a um fenómeno: quando estão tão envolvidas na relação conjugal, as mães são coniventes, fecham os olhos, não protegem.

Nos casos de abusos sexuais, até optam pelo agressor em detrimento do filho”. Fátima Duarte lamenta, assim, que o “foco ainda seja colocado em quem pratica o acto, quando o mau-trato resulta tanto da acção como da omissão”.

* Esta peça é bem reveladora da hipocrisia e propósito distorcido judaico/cristão de quem, na Assembleia da República, votou contra a co-adopção. 
- Os pais heterossexuais mataram nos últimos 4 anos uma criança a cada dois meses.
- Mais de 400 registos de maus tratos investigados pericialmente no mesmo período.

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