03/04/2015

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Jovem escreve carta ao ex-patrão 
do pai e comove portugueses

Uma portuguesa viu o seu pai ser despedido, ao fim de mais de 20 anos, e decidiu não cruzar os braços.

A carta, dirigida ao ex-patrão do pai, foi divulgada pelo “Correio da Manhã” e tem estado a ser muito partilhada nas redes sociais. Uma história que está a comover o País. 
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“Boa tarde 
Ao ex-patrão do meu pai:
 Aqui fala a filha do homem que você despediu sem dó nem piedade, há cerca de um ano. Você apenas se deve lembrar do processo demorado que lhe levou tempo e alguns milhares, nem sei se você se lembra do nome do meu pai. Mas eu vou fazer questão de lhe lembrar quem ele era. 
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 Trabalhou para si mais de 20 anos. Começou como motorista dos seus já extintos camiões. Fazia viagens de 3-4 dias para Lisboa e Algarve todas as semanas, para poder alimentar a família, enquanto eu, na altura pequena, me agarrava à sua roupa a chorar com saudades do meu pai. Sim, porque o meu pai é tão mal educado e violento que a filha chorava na sua ausência. 
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 Depois de muitos anos como camionista, você decidiu que lhe ficava mais em conta acabar com os camiões e contratar uma empresa de fora. E convidou o meu pai a passar para o armazém e ser chefe.
 Ele aceitou claro. Fez um bom trabalho durante uns cinco anos, até que você decidiu começar a cortar no pessoal. Aí sim é que se viu o carácter das pessoas que trabalham para si, e melhor ainda, o seu. 
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 Com medo de perderem o próprio emprego e por inveja do lugar do meu pai, decidiram que ele era um alvo a abater. De repente, o meu pai, que sempre foi uma boa pessoa, tornou-se, na boca dos invejosos e cruéis, uma pessoa mal-educada e violenta. Você nem se deu ao trabalho de constatar os factos, meteu-lhe um processo disciplinar sem vencimento e despediu-o. 
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Com 50 anos de idade, sem indemnização, sem fundo de desemprego e sem dignidade, foi assim que os 26 anos de trabalho na sua empresa acabaram. Como qualquer outro em plena consciência, o meu pai tentou combater esta injustiça e gastou do pouco que lhe sobrou para que a justiça fosse feita. E desta parte você deve lembrar-se, pois desta vez você esteve presente, com a única intenção de o mandar embora novamente sem nada. 
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O meu pai lutou e foi massacrado em tribunal por antigos amigos que, de repente, só o viam como o homem que os tratava mal. Houve pessoas que, com medo de serem os próximos, não testemunharam a favor mas mantiveram a dignidade e não testemunharam contra. E houve aqueles que não ficaram calados e defenderam o meu pai como ele merecia (e a estas pessoas mando, desde já, o meu agradecimento por num mundo cheio de hipocrisia terem tido a coragem de falar). 
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O meu pai ganhou o processo como você se deve lembrar, mas claro que não lhe queria pagar o que lhe era devido e você recorreu. Em portas fechadas, não sei o que aconteceu, nem como, mas você ganhou. E agora eu pergunto com a minha inocência no mundo: por que é que, depois deste empate, você é que ganha e o meu pai nem pode recorrer? Como é para si dormir à noite sabendo que o seu trabalhador veio para a rua sem nada e por nada? 
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Quero que saiba, o meu pai era um péssimo funcionário, uma péssima pessoa e mesmo assim conseguiu um novo emprego num armazém. Ele realmente devia ser tudo aquilo que lhe contaram. A minha pergunta para si é: você deu-se ao trabalho de saber os dois lados da história ou o que lhe interessa é apenas a opinião dos seus escovas? Você destruiu a vida de um funcionário que era exemplar, até à data em que lhe resolveram encher os ouvidos. 
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Não espero que com isto você lhe pague. Só quero que o país saiba o poder que lhe deu com as novas leis de trabalho. Quero que saibam a injustiça que foi feita. Quero que um dia isto não possa mais acontecer porque alguém defende a parte fraca desta equação. 
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A todos os que lêem neste momento esta carta quero que saibam que este é o país em que vivemos, onde o patrão enriquece à custa da desgraça dos seus trabalhadores. Onde a justiça é aquela que manda o trabalhador embora sem hipóteses de ripostar. É este o país, é esta a justiça? É isto que me espera no futuro? Não vou fazer a diferença, eu sei, mas pelo menos sei que não fiquei calada a ver a vida do meu pai desmoronar.” 
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Ana Sousa 

* Quantos milhares de filhos ainda não escreveram aos ex-patrões dos pais?

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