18/03/2015

LUCY P. MARCUS

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Ajam ou calem-se

Na política, conversações de paz, campanhas eleitorais, ou estratégia empresarial, nas quais são definidas intenções, promessas e compromissos, nunca são demais.
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É apenas o primeiro passo para um fim desejado - e completamente desprovido de sentido, a não ser que o segundo, terceiro e todos os passos subsequentes sejam tomados. Adicionalmente, dar o primeiro passo inicia o relógio da confiança e da confidência dos outros, de que os próximos passos serão de facto tomados, ou então corremos o risco de criar uma falsa impressão de que o falhanço em atingir um objectivo particular reflecte intenções erradas (ou irrelevantes), em vez de uma execução inadequada. Podemos ver exemplos virtuais disso mesmo em todo o lado.

Tenha em conta o anúncio em Janeiro do Banco Central Europeu de que iria implementar um programa de alívio quantitativo (QE). Nessa altura, muitos líderes pareceram pensar que a actuação do BCE seria suficiente: feito o anúncio, impresso o dinheiro, a economia volta aos trilhos. Infelizmente, não é assim que a política monetária funciona: o QE não será suficiente e ninguém deve ser ingénuo em relação a isso.

De modo a pôr as economias de novo nos eixos, o QE é uma ferramenta útil, mas apenas parte de um maior pacote de medidas. Na ausência de outras reformas económicas, o QE não consegue, por si próprio, efectuar as mudanças necessárias para impulsionar o crescimento. E se as reformas não forem implementadas e o crescimento não se materializar, os políticos irão provavelmente culpar o QE e não o seu próprio falhanço, ao não darem todos os outros passos necessários que devem suceder, num caminho de recuperação económica.

Agora considere a comunicação livre. Após o massacre em Janeiro na revista satírica Charlie Hebdo em Paris, os líderes mundiais acorreram ao local, deram as mãos e marcharam em apoio à liberdade de expressão, enquanto um princípio fundamental das sociedades civilizadas. Naturalmente, o próximo passo para muitos deles teria sido voltar a casa e implementar de forma imediata esse princípio. Em vez disso, voltaram a casa.

Verdade é que o regime militar egípcio - cujo ministro dos Negócios Estrangeiros, Sameh Shoukry, causou espanto, quando apareceu perto da dianteira da marcha em Paris - libertou o jornalista da Al Jazeera Peter Greste da prisão e, desde então, libertou mais dois jornalistas, Mohamed Fahmy e Baher Mohamed, sob fiança. Contudo, antes disso, onde estava a renúncia do regime ao poder de prendê-los?

Noutra arena - a das negociações de paz -, o recente acordo de cessar-fogo na Ucrânia foi a última tentativa de pôr fim à guerra entre o governo do país e os separatistas apoiados pela Rússia, que têm travado desde grande parte do ano passado, na região de Donbas. Entre as lutas, tentativas de acabar com as mortes foram e vieram e as vítimas inocentes da guerra - para não dizer grande parte da comunidade internacional - tornaram-se fatigadas e cínicas.

Os processos de paz mais eficazes são parte integrante de um processo de paz. O primeiro passo - assinar o acordo - representa os compromissos das partes, em tomar os passos subsequentes necessários. Todos voltam a casa a saber exactamente o que têm de fazer, o que esperar dos outros e quais serão as consequências, caso não o façam. Quando os acordos falham, normalmente não é graças ao conteúdo, mas sim ao que falta, ou ao que fazem os signatários, apesar daquilo com que concordaram. Um guia para a paz é útil, apenas de todos o seguirem. Caso contrário, o objectivo está perdido.

As campanhas eleitorais são o exemplo de excelência do fenómeno e o mundo está agora a iniciar outra "Temporada do primeiro passo". Pelo menos sete eleições gerais irão ocorrer em países-membros da União Europeia este ano (e França irá ter eleições regionais em Março). A Grécia já votou (elegendo o governo que, até agora, parece não ser capaz de ir além de intenções e promessas) e os próximos meses trarão eleições na Estónia, Reino Unido, Dinamarca, Portugal, Polónia e Espanha. Acrescente a isto as eleições presidenciais nos EUA, no próximo ano - precedidas por uma campanha que já começou -, e pode esperar muitas promessas no ar.

Tendo em conta que os eleitores nestes países estão inundados de boas intenções, crescentes garantias e sinceros compromissos, irão esperar que os partidos e os candidatos cumpram, caso sejam eleitos. Obviamente, os partidos e os candidatos irão tentar persuadir os eleitores através das suas reputações (e ao impugnar a reputação dos seus oponentes). Se não forem em frente com as suas intenções, promessas e compromissos, o acesso a informação e a comunicação instantânea é tanta, que essas promessas vazias simplesmente não vão persuadir a maioria das pessoas.

As empresas também fazem campanha. Enviam os seus líderes para expressarem, perante os órgãos legislativos, o arrependimento pelos graves actos de má-fé e prometerem um bom comportamento no futuro. E ainda assim as manchetes estão mais repletas do que nunca de histórias de comportamento empresarial não ético, se não criminoso. Infelizmente, demasiados líderes empresariais persistem em ver o mundo como um "nós" contra "eles", em vez de tentarem perceber o porquê de, na ausência de uma acção vigorosa, ninguém confiar neles.

Os começos são vitais. Mas são apenas isso. Não há soluções fáceis para a economia da Zona Euro, para a Grécia, para a Ucrânia, ou para qualquer outro grande desafio que enfrentamos nos dias de hoje. Contudo, a não ser que os protagonistas estejam certos de que os seus anúncios, promessas eleitorais e acordos de paz irão dar lugar a acções claras e intencionais, devem pensar duas vezes antes de abrirem a boca.

CEO da Marcus Venture Consulting

© Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
10/03/15

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