14/02/2015

ANA MARKL

.




Amor e Azar



Esta crónica não versa sobre o futuro, ainda que o dia de hoje - como todos, mas este em particular - esteja bastante condicionado pelo facto de amanhã ser Dia dos Namorados. E hoje ser sexta-feira 13. Os apreciadores de peluches mantêm uma derradeira réstia de esperança em encontrar o amor a tempo de receber uma prenda e eis que a superstição se atravessa à frente das probabilidades. Que maçada. Quão alinhado poderá estar o cosmos para tecer tão fina ironia? 

Pois: é a indústria do coração. Os costumes importados. O consumismo. Tudo aquilo que alimenta e se alimenta do desespero da solidão, em tempos movido biologicamente pela ditadura da procriação, hoje pela pressão das "migas". Não das alentejanas (ninguém se importava de ser pressionado por uma malga cheia de migas de espargos) mas das outras, as que olham compadecidas para as "encalhadas". E que triste analogia náutica, esta de encalhar. Apraz-me citar um grande filósofo da música portuguesa: "Não vou procurar quem espero se o que eu quero é navegar." 

Há dias, li um artigo sobre uma aplicação chamada "Namorado Invisível" dirigida a todas as "encalhadas" (sim, só mulheres - estereótipo, o quê?) que pretendam aparentar que, no mar morto da sua vida amorosa, tudo corre a velocidade de cruzeiro. A aplicação cria um namorado virtual que envia mensagens personalizadas com o objectivo de calar a mãe que gostava de ver a filha casada ou de mostrar às "migas" que arranjámos um óptimo naco de entrecosto. 

Há muitos anos, conheci uma rapariga que usava um anel para fingir que estava noiva - na altura não havia aplicações, só pechisbeque. Toda a vida sonhou casar, mas com tamanha obstinação que negligenciou um pequeno pormenor: amar a pessoa que escolhera para seu marido. A cerimónia acabou por ser cancelada. 

A propósito, outra notícia que me passou pelos olhos esta semana foi a de uma britânica que se suicidou por chegar aos 30 sem casar e ter filhos. Uma tragédia existencial como esta só pode acontecer às pessoas que sabem qual o sentido da vida - da sua vida, pelo menos - e que, por tão claramente o saberem, não o conseguem seguir, pois claro, porque se esquecem de viver. Um pouco como as pessoas que hoje estão a culpar o calendário pela má sorte de não arranjarem um namorado até amanhã. 

Já às pessoas que não encontram sentido para nada, resta-lhes navegar. "Quando encontrar uma ilha, paro para sentir." 

IN "i"
13/02/15

.