Estive há pouco tempo em Veracruz, no México, sem me lembrar que tinha sido exatamente ali que teve origem, em 2009, o surto global de gripe suína, também chamada de influenza A (H1N1). Entre abril e junho de 2009, a contagem diária dos mortos e as aparições televisivas da diretora-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Margaret Chan, arrebatavam a atenção de centenas de milhões de pessoas. Passados cinco anos, desapareceram das ruas de Veracruz todas as placas de alerta.
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Ciclicamente, o mundo é confrontado com epidemias globais, seja a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) de 2002-2003, na Ásia, a gripe das aves de 2005, no Sudeste asiático, ou o atual surto de ébola na costa oeste de África. E em todos estes casos o guião é praticamente o mesmo. Primeiro chegam os apelos da OMS e do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças, aos quais se seguem os desabafos alarmantes no terreno dos Médicos sem Fronteiras e da Cruz Vermelha. Com isso, entram em campo as autoridades sanitárias e aeroportuárias nacionais e entrevista-se repetitivamente o ministro da Saúde que responderá de forma enciclopédica sobre a origem do vírus e a probabilidade de contaminação.
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Para concluir, se tivermos sorte, será anunciada, algum tempo depois, a descoberta de uma vacina ou de um tratamento eficaz.
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Retiram-se as placas de alerta das ruas de Veracruz, Monróvia, Banguecoque ou Guangzhou, e prepara-se a produção em Los Angeles de um filme como o Contágio, de Steven Soderbergh.
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MAS MUITO FICA SEMPRE POR FAZER. Em primeiro lugar, é preciso sublinhar que, segundo a FAO, 70% dos vírus são transmitidos a partir de animais selvagens. O ébola teve origem em morcegos, o H1N1 em suínos e o SARS em gatos-de-algália (civeta-africana).
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Mas as pesquisas médicas estão centradas na descoberta de vacinas para combater a doença já estabelecida e não em revelar os mecanismos de transmissão, humanização e letalização de vírus inofensivos para animais.
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Combatemos lucrativamente a consequência e não a causa. Por isso, terá também que haver maior alocação de recursos de deteção rápida e prevenção em regiões onde o contacto entre animais selvagens e humanos é mais pronunciado.
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O HIV foi detetado pela primeira vez nos Camarões, enquanto o do ébola foi na R.D. do Congo, países de ampla biodiversidade.
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À medida que a urbanização vai engolindo habitats naturais, maior é a possibilidade de transmissão de doenças. Além disso, a nossa dificuldade em combater estas ameaças também deriva da crise de governança que estamos a atravessar. O Estado deixou de nos conseguir blindar contra todas as ameaças. Algumas delas crises económicas, tráfico de drogas ou vírus globais são demasiado grandes para serem mitigadas individualmente por países.
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É revelador que a edição deste ano do Global Risks Report (relatório de Riscos Globais) do Fórum Económico Mundial destaque o falhanço do atual sistema de governança como uma das principais ameaças globais. A edição de 2015, para a qual contribuí, deverá apontar a propagação de doenças como nova ameaça global. Quem vive atualmente na costa oeste de África sabe que, na verdade, ambas estão ligadas.

IN "VISÃO"
20/08/14

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