22/12/2014

LUCY PEPPER

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O que quero para o Natal

Além das coisas que posso comprar para mim ou aquelas coisas para quais trabalho todos os dias (porque isso é a parte divertida), as coisas que quero são sonhos impossíveis.

Todos os anos, nesta altura, a minha mãe pergunta-me o que quero para o Natal. Além do creme anti-rugas que ela ia me comprar antes de ler o que escrevi aqui na semana passada sobre cremes para o rosto, não me consigo lembrar de nada. As únicas coisas que quero são absurdas…

Quero paz no mundo, como é óbvio. Paz no mundo deve estar no topo da lista de toda a gente que deseja pelo menos parecer simpática, ou ganhar um concurso de beleza.  O problema é que a única maneira de conseguir paz no mundo seria a aniquilação brutal de todos os adultos com cérebro de adolescente que adoram brigas e guerras. Mas a aniquilação brutal desses adultos implicaria alguma violência brutal, negando assim o sentido da paz. É um paradoxo impossível. De qualquer maneira, não vai acontecer.

Quero que desapareça o tecto de vidro que deixa as mulheres verem os lugares cimeiros mas que as exclui de lá chegarem. Quero que o tecto de vidro rebente em cima dos homens que o mantém, aqueles tipos que gostam do status quo, que dão pouco valor às mulheres, excepto nos casos em que é do interesse deles, claro. Eles ficariam tão ocupados a tirar os cacos de vidro espetados nos fatos, agora mais brilhantes, que não teriam tempo de ignorar as mulheres, que agora poderiam subir até onde merecem estar, com as suas ideias, ética e batom (ou sem batom, a escolha é delas). Mas isso não vai acontecer.

Quero que todas as artes sejam mais importantes do que os bisbilhotices e sobre-análises da política. Mas sabemos que isso não vai acontecer.

Quero as ruas de Lisboa livres de bosta de cão, de tuk-tuks, de buracos gigantes, de graffiti. A merda de cão esmagada nas pedras da calçada obriga-nos a olhar para o chão em vez de olhar para cima, e ver a cidade. Os tuk-tuks dão a Lisboa, esta antiga e graciosa cidade europeia, o aspecto e ruído de Bombaim. Os buracos na estrada não são buracos, mas fissuras glaciais que aparecem e ficam nas ruas mais importantes da cidade e ameaçam partir os eixos dos carros e o nosso espírito. Os graffiti destroem qualquer vista, incluindo os graffiti supostamente aceitáveis que os autores receberam autorização para pintar em grandes edifícios, cartoons feios e na moda, incontornavelmente gigantescos e invasivos, e que dão um aspecto afavelado à cidade, uma cidade que está longe, mas muito longe de ser uma favela. E não vai acontecer.

IN "OBSERVADOR"
14/12/14

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