23/12/2014

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Submarinos
Saiba como a investigação falhou

DCIAP extraiu certidão para investigar suspeitas de administração danosa dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo

No despacho de arquivamento de 333 páginas, os procuradores do DCIAP que herdaram o processo dos submarinos em Outubro de 2013 e arcaram com o ónus de encerrar o processo sem um único acusado, tentam por tudo explicar como razões externas aos investigadores portugueses ditaram o arquivamento do processo, oito anos depois do início da investigação e dez anos depois da assinatura do contrato de compra dos submarinos pelo Estado português.
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O problema começou, desde logo, com a atitude da justiça alemã, que resolveu sonegar informações das autoridades portuguesas. A justiça daquele país ou não respondeu às cartas rogatórias ou alegou que, em conformidade com o direito alemão, não podia dar as respostas tão desejadas. “Muito se estranha que as autoridades alemãs nunca tenham facultado a documentação que lhes foi rogada e que era indispensável”, diz o despacho de arquivamento.

Na pouca informação enviada, que diz respeito unicamente ao processo que correu na Alemanha, os investigadores confirmaram que Jurgen Adolff, ex-cônsul de Portugal em Munique, terá recebido mais de 1 milhão de euros do consórcio alemão depois de ter oferecido os seus préstimos ao German Submarine Consortium, com a garantia de que conseguiria convencer decisores políticos em Portugal. 

O problema, explicam os procuradores, é que há testemunhas do processo que garantem que foi feito “um acordo de sigilo” para que determinados dados do processo nunca fossem revelados e que esses dados ficaram guardados “em segurança através de um código numérico”. Além disso, o Ministério Público nunca conseguiu os dados bancários que permitiriam fazer a reconstituição do serviço financeiro e desvendar se teria circulado dinheiro entre a Man Ferrostall, o ex-cônsul, quadros da Marinha e responsáveis políticos portugueses. Como se tudo isto não bastasse, o DCIAP não tinha o poder de o constituir arguido, devido à figura da lei do “ne bis in idem”, que dita que ninguém pode ser julgado pelos mesmos factos duas vezes.

O circuito financeiro montado pela Escom (a empresa do GES que recebeu a comissão de cerca de 30 milhões de euros por alegados serviços de consultoria prestados ao consórcio alemão), que passou por mais de uma dezena de sociedades, em vários paraísos fiscais, era tão complexo e passava por tantas jurisdições que os procuradores Josefina Fernandes e Júlio Braga foram obrigados a assumir o fracasso: tinha sido impossível reconstituir o rasto completo do dinheiro. Constatou-se que “cerca de 27 milhões de euros ficaram, ao que tudo indica” na posse dos três administradores da Escom, do intermediário entre a Escom e os alemães (Miguel Horta e Costa), e de membros do Conselho Superior do Grupo Espírito Santo.

Os arguidos terão argumentado que parte dos milhões foram gastos em custos com advogados e constituição de sociedades mas, segundo o despacho de arquivamento, “não comprovaram”. Acresce, diz o despacho, que o circuito utilizado, “leva a suspeitar que existiram desígnios ocultos” que a prova recolhida não permitiu esclarecer.

O Ministério Público deixou cair as suspeitas sobre os únicos arguidos do processo: os administradores da Escom (Helder Bataglia, Luís Horta e Costa e Pedro Ferreira Neto), e o intermediário Miguel Horta e Costa. E a fraude fiscal tinha ficado sanada com a adesão ao RERT. Não ficou provada a corrupção e era inútil continuar a investigá-la: os factos teriam prescrito em Junho deste ano.

Restaram pelo menos duas dúvidas, razão pela qual os procuradores do DCIAP resolveram extrair duas certidões: uma para investigar “suspeitas de administração danosa dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo”; outra remetida às Finanças de Lisboa, para analisar a situação tributária de Tiago Mosqueira do Amaral e de duas filhas de um contra-almirante da Marinha. 

* Sem criticar os investigadores, nem imaginamos as dificuldades experimentadas, este caso não deixa de ser um rotundo falhanço da justiça portuguesa.


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