06/12/2014

ANA BACALHAU

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Portuguese branding. 
J’adore.

Foi bonito ouvir o discurso de Carlos do Carmo aquando da re­cepção do prémio Grammy que lhe foi atribuído. Não só pelo seu conteúdo e pelo que representa para a música portuguesa, mas por­que Carlos do Carmo escolheu fazê-lo em português. Um gesto que deveria ser natural e comum mas que, pela forma enfática como foi reportado por todos os meios de comunicação, parece apresentar–se como uma escolha mais rara do que aquilo que se suporia.

Discursar na língua materna perante uma audiência que não a domina parece dividir opiniões. Por um lado, dificulta a vida dos que não a compreendem, por outro, afigura-se como forma de enaltecer a cultura que lhe deu forma. Para o primeiro problema há sempre resolução. Chama-se tradução simultânea e constitui-se como uma das melhores formas de entendimento en­tre discursantes de diferentes nacionalidades. Para o segundo, ou, melhor dizendo, para quem não considere que a utilização da lín­gua materna num discurso oficial possa servir para representar toda uma cultura, não há entendimento possível, apenas a certe­za do recurso a línguas mais universais.

Ao que parece, a norma tem sido a escolha da segunda via, ou seja, a escolha de discursar noutra língua que não a materna, de forma a facilitar a vida aos outros e, porventura, mostrar os do­tes de poliglotismo do orador.

O que poderia ser apenas sinal de vaidade de alguns reve­la porém algo mais insidioso. Para ilustrar o que pretendo dizer, conto o que observei aqui há uns dias no metro de Lisboa. Algures na paragem de metro que agora se intitula Blue Station estava um carrinho a vender pastelaria típica de Portugal. A música que se ou­via era portuguesa, o que foi uma óptima surpresa porque, muitas vezes, por mais português que seja o produto, poucas vezes o mes­mo é apresentado com recurso à produção musical portuguesa.

Curiosa, procurei o nome para esta ideia que pretendia vender sabores portugueses. E, pontaria das pontarias, na Blue Station vende-se «portuguese flavours»*. O que é óptimo saber-se, principalmente para os que falam inglês.

Eu falo inglês. Aliás, gosto tanto da língua inglesa, que a es­tudei a fundo. Também gosto muito da língua portuguesa, que es­tudei igualmente a fundo. Além disso, mantenho uma relação afectiva muito forte com a língua a que chamo de «mãe» e que me serve de medida para tudo o que pretendo exprimir e pensar na vida. Por isso, tento falar e escrever no melhor português que sei e recorrer às suas expressões antes de as pedir emprestadas a ou­tras línguas.

Se existe correspondente ao que quero dizer na minha língua, procuro utilizá-lo. Não adiro ao lifestyle se posso conver­ter-me a um estilo de vida mais idiomático. Nem estendo a red car­pet a estrangeirismos quando posso estender a passadeira verme­lha a expressões portuguesas. Para mim, Estação Azul é incomensuravelmente mais bonito do que Blue Station, mas não sei se não estarei em minoria. Dada a profusão de estrangeirismos que en­contro no dia-a-dia será, com certeza, mais esquisitice minha do que algo que interesse ou preocupe a sociedade portuguesa. Mes­mo assim, mantenho o que disse.

O marketing português pode achar que uma marca em inglês é mais apetecível e mais fácil de internacionalizar do que uma marca em português. Eu acho que mais apetecível do que tudo isso é uma cultura que não tem vergonha de se mostrar nem medo de se impor.

*O nome da marca foi alterado porque o que se pretende não é menorizar o seu produto, mas sim apontar uma tendência generalizada.


IN "NOTÍCIAS MAGAZINE"
30/11/14


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