29/10/2014

ANA RITA GUERRA

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Descobri que
os passaportes electrónicos 
. não são seguros

Um dos problemas que havia na Europa há dez anos era a utilização do mesmo passaporte para a entrada de vários asiáticos. A sério. Disse-me um especialista em segurança que os funcionários das fronteiras, normalmente caucasianos, tinham sérias dificuldades em distinguir passageiros asiáticos, mesmo que tivessem dez ou mais anos de diferença. 

 Eles entravam e iam de imediato enviar o passaporte via FedEx para o primo no país de origem, que depois entrava e fazia o mesmo. O interesse nos documentos de identificação com chip e dados biométricos estava a crescer nessa altura e esta era uma das questões que resolvia - aparentemente. 

Recordei-me desta informação, obtida numa conferência sobre a autenticação biométrica há uns bons anos, quando Krishna Rajagopal falou dos ataques a passaportes biométricos no evento eID, co-organizado pela portuguesa Multicert em Budapeste. Rajagopal é especialista neste sector e professor do MIT. Informou que há, neste momento, 483 milhões de passaportes electrónicos activos, e que as tentativas de fraude continuam frequentes. Mas nenhuma foi tão descarada quanto esta: em 2008, um quiosque de identificação no aeroporto de Schiphol reconheceu e deixou passar Elvis Presley, usando um passaporte electrónico com dados biométricos. 

Perguntei a Rajagopal se afinal os passaportes electrónicos eram ou não seguros, esperando a conversa de sempre - nada é 100% seguro, é preciso ter cuidado, etc. Ele respondeu que não. Não são seguros. Porque nem todos os países aderiram, porque nem todos incluíram os dados biométricos e porque, de facto, é sempre possível bater o mais titânico sistema de encriptação. Disse que os passaportes tradicionais vão durar mais uns dez anos, e que haverá sempre países que precisam de ver o carimbo nas páginas, e não ler um chip.Judit Hazai, directora do serviço de segurança nacional da Hungria, acrescentou: é muito frequente serem apanhados passaportes electrónicos e cartões do cidadão que foram roubados e adulterados no chip ou na imagem. O desafio é identificar melhor estas fraudes. 

"A tecnologia está sempre a mudar, e infelizmente os maus da fita estão sempre na vanguarda", disse Rajagopal. Há aqui um problema de abordagem, também: não vale a pena ter os quiosques mais sofisticados se a empresa que desenvolve a tecnologia for atacada. Não vale a pena ter os funcionários mais treinados do mundo, se ninguém percebe que o Elvis Presley acabou de chegar à Holanda, e não veio de vassoura. 

A visão holística que é necessária está muito longe de ser atingida, e o assunto não é coisa apenas para preocupar uns cromos num departamento de TI. O mundo está muito mais perigoso hoje do que estava há um ano (não foi a Ministra da Justiça que admitiu que podemos ser um alvo do Estado Islâmico?) e a reacção é muito mais lenta que a ameaça. Deixei de me queixar com os procedimentos lentos e rigorosos de segurança nos aeroportos (uma vez, levei cerca de duas horas para conseguir sair de Israel, tal foi o escrutínio). Passei a ficar preocupada é quando eles são sempre a despachar.


IN "DINHEIRO VIVO"
21/10/14


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