04/09/2014

FRANCISCO LOUÇÃ

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I

Isaac Newton, o último
mágico que foi o primeiro
cientista moderno

Isaac Newton (1642–1727) foi o mais brilhante físico e matemático do seu tempo. Aos 26 anos, era professor numa das melhores universidades do mundo; quando morreu, aos 84, era o cientista mais poderoso da Europa. Coisa rara, tinha recusado tomar ordens religiosas, ao contrário da tradição dos professores de então, e vivia em sociedade, ocupando cargos influentes. 

Apesar desse poder imenso, nunca chegou a publicar metade do que escreveu: notas dispersas, cadernos, rascunhos de livros, cálculos, uma vida de trabalho. Não publicou e nem queria publicar. Um livro recente investiga esses documentos escondidos, que foram comprados pelo economista John Maynard Keynes, entre outros, e apresenta uma explicação: Newton receava a polémica (depois de um conflito desagradável com Leibniz, acerca de quem tinha inventado o cálculo diferencial) mas, sobretudo, receava a censura.

Tinha boas razões, porque os seus textos ocultos tratavam de questões religiosas sensíveis: Newton rejeitava a noção de “Santíssima Trindade” e, pior, procurava chaves secretas escondidas entre as linhas da Bíblia. Ora, era precisamente a desconfiança em relação a esse dogma e esta paixão pela numerologia que o tornava um herético perigoso. Ao mesmo tempo, dedicava-se à alquimia, e as experiências químicas que realizou secretamente durante anos a fio, bem como as especulações sobre mistérios cabalísticos, só podiam fazer perigar a sua vida, porque eram proibidas.

Newton, o primeiro dos cientistas do futuro e o último dos alquimistas e mágicos do passado, protegeu-se com o silêncio. Atravessados entre duas épocas, os seus textos escondidos testemunham tanto a ousadia como o medo.

Para compreender grandes figuras do nosso mundo, quantas vezes temos de escrutinar a contradição.

IN "PÚBLICO"
30/08/14

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