22/07/2014

DOMINGUES AZEVEDO

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Os perigos da simplificação

No momento em que escrevo estas linhas está prestes a iniciar-se a apresentação do relatório produzido pela Comissão para a Reforma do IRS, liderada pelo professor Rui Duarte Morais.

Não tenho, por isso, informação sobre o teor global do documento. Em todo o caso, e por aquilo que é antecipado pela imprensa, simplificar é a palavra de ordem. Confesso que fico um pouco inquieto quando oiço falar da simplificação como algo que, qual varinha de condão, vai facilitar a vida do comum cidadão, tornando o seu dia a dia mais ligeiro. Puro engano. O que o passado nos diz é que a simplificação tem apenas contribuído para criar mais injustiças para os contribuintes, quando o que devia realmente acontecer é que o mecanismo de simplificação nunca deveria conduzir a uma maior assimetria fiscal.

A chave para a justiça fiscal reside no engenho de encontrar a capacidade contributiva dos cidadãos na sua realidade objetiva e isso só se consegue personalizando o sistema, o que esteve na origem da criação do imposto em 1989.

Veja-se o caso da anunciada reforma profunda nas deduções do IRS. É de prever o pior. Se se aplicar a ‘flat tax' neste imposto, o caminho é o de desviar da realidade concreta do sujeito passivo. Tornar simples o que é complexo sim, mas com menos adesão à realidade, não.

Simplificar é perigoso, mas não há reforma que vingue se não se alterar o paradigma vigente de uma Autoridade Tributária apenas ciosa dos seus direitos e negligenciando os direitos dos contribuintes.

Sejamos claros: O Governo está decididamente focado em ir buscar dinheiro aos contribuintes, criando, quase sempre, em torno do cidadão uma espécie de tenaz fiscal.

Noutro domínio, os ecos sobre a reforma da "fiscalidade verde" também já se fizeram sentir e a tónica da simplificação também foi notória. Acontece, que igualmente, aqui acaba por pagar o justo pelo pecador. As medidas propostas na reforma da "fiscalidade verde" vão sobrecarregar mais uma vez os portugueses com impostos esquecendo os verdadeiros causadores dos problemas ambientais.

Acabam por ser os cidadãos que vão arcar com estas situações e os poluidores, aqueles que ganham fortunas, não respeitando o ambiente, nada lhes acontece. Em nome da justiça, devia ser reposto o princípio sagrado de que quem polui é que deve pagar e não quem sofre as consequências da poluição. Em qualquer imposto do sistema fiscal português, a concetualização continua a ser ir buscar ao cidadão, como se fosse neste processo um bolso sem fundo, onde se vai buscar de forma incessante, mas não se pergunta se ele tem.

No caso concreto do combustível a carga fiscal é diabólica. Os combustíveis em Portugal já têm mais de 70 por cento de imposto e 20 por cento apenas do valor do custo real.

Sobrecarregar mais os combustíveis é, por este andar, condenar as pessoas a não terem mobilidades, com as consequências trágicas que isso tem para o comércio e a dinâmica económica.
Neste campo das reformas todo o cuidado é pouco. E nunca se pode dissociar o contribuinte da sua realidade concreta e objetiva.

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
21/07/14

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