07/03/2014

SÍLVIA DE OLIVEIRA

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Estou mais zangada
 com os portugueses 
do que com Tordo

Quando achava que a polémica à volta da emigração de Fernando Tordo para o Brasil e da sua curta reforma já estava prestes a morrer, como acontece em Portugal com todas as polémicas que não nos levam a lado nenhum - este é um caso típico - o desabafo do vocalista dos Moonspell no seu blog, ou melhor a utilização que tem sido feita do seu texto, leva-me a querer escrever sobre o tema.

Porque, tal como Fernando Ribeiro, também eu estou zangada com os portugueses. Aliás, estou mais zangada com os portugueses do que com Fernando Tordo. O que se assistiu ao longo destes dias foi uma inútil troca de acusações, que, como já vem sendo hábito, nos afastaram do essencial.

De um lado, os que embirram com o músico, provavelmente porque, conforme lembra o vocalista dos Moonspell, Fernando Tordo tocou para partidos e assumiu publicamente, após o 25 de abril, a sua militância no PCP. Acusaram o músico português de uma tentativa de vitimização, de contratos milionários e de uma vida despreocupada e de regabofe, que agora, claro, se reflete numa reforma de miséria e numa inevitável ida para o Brasil para tentar manter uma vida de jeito.

Estes aproveitam ainda para a prática de uma moda relativamente recente, que consiste na exibição de um pensamento pseudo-alternativo de defesa dos poderes públicos. Por oposição aos que cascam a torto e a direito no Governo, reagem discriminado negativamente os cidadãos, atribuindo a estes a responsabilidade e culpa por tudo o que lhes acontece nesta vida.

Se Fernando Tordo não tem uma reforma digna é porque, obviamente, não fez os devidos descontos para a Segurança Social. Assim, sem mais nem menos. Estamos cada vez mais ideológicos, como é bom de ver.
Do outro lado desta discussão estão os que atacam o governo, mesmo que não saibam muito bem porquê, os que atacam os que criticam Tordo, fazendo do músico uma bandeira da esquerda contra as políticas liberais de Passos Coelho.

Tristes lados, que se entretêm assim, esquecendo-se do que importa e que não se resolve com a defesa do indefensável, nem com a persistente desconfiança em relação ao vizinho do lado.

Nem este governo é o direto responsável pelo valor da pensão de Fernando Tordo, nem tão pouco pela sua decisão de abandonar o país. Nem os cidadãos podem exigir direitos, esquecendo as suas obrigações, como a de pagar impostos. Posto este pressuposto base, chegamos à real situação de quem é quase velho ou velho neste país. De quem é quase velho e ainda para mais foi, enquanto novo, artista e escolheu uma profissão precária. Neste país cheio de Mirós é sempre surpreendente o valor que se atribui à arte.

Mas esqueçamos então os artistas, que tanta alergia têm causado. Basta ter pais ou avós para perceber que o fim da vida, neste país, é tudo menos uma razão de debate, é, aliás, penosamente consensual.

E lamento, mas o que este governo fez até agora pelos que tentam escapar ao destino de Fernando Tordo foi exatamente o mesmo, senão pior, que fizeram todos os governos que têm governado o país. Valerá a pena falar dos cortes previstos no Orçamento do Estado Retificativo, que entrará em vigor brevemente, para quem tenha uma reforma superior a mil euros?! Ah, desculpem, mas como alguém disse: "A vida das pessoas não está melhor, mas o país está muito melhor".

Pronto, e agora proponho que deixemos Fernando Tordo em paz e que nos concentremos no mais importante. No meu caso, desculpem-me o egoísmo, trata-se da miserável reforma dos meus. 

IN "DINHEIRO VIVO"
26/02/14


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