04/03/2014

JOÃO MALHEIRO

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Império sem imperador

Pretérito Agosto, o rito de sempre. Regressado a Portugal, à chegada ao aeroporto, procedente de Moçambique, fez-me ouvir aquela voz familiar, quase taciturna, ainda que ditosa. “Miúdo, já cá estou”. Era o Mário Coluna, era sempre assim o Mário Coluna. O seu costumeiro telefonema anunciava horas infindas de convívio. Dias seguidos, tantos quanto durava a sua permanência em Lisboa ou na casa, na Caparica, de uma das filhas.

Durante vinte anos, foi assim. Tudo começou em Vila do Conde, onde aceitou, a meu convite, passar uma curta temporada. Animosa foi. Num ápice, já era inveterado o meu relacionamento com Eusébio, mais um ídolo de infância a preencher, com imodesto pundonor, a minha legião de amigos próximos e cúmplices.

Coluna era uma personalidade fascinante. A seu lado, percebi a o quão venerado foi pela esfera da bola, profissionais incluídos, mesmo antigos companheiros. Eusébio, fui tantas vezes testemunha, não o encarava olhos nos olhos. Simões era incapaz de usar o “tu” no trato. Outros, muitos e muitos outros, optavam por “senhor”.

Organizei, no último 6 de agosto, a festa de aniversário de Mário Coluna. Tratou-se de uma cerimónia intimista, na Luz, na sua Luz, apenas com a família, Eusébio e Luís Filipe Vieira. Agora, dolorosamente, posso confessar a minha empáfia de que se tratava da última celebração. Gostaria de me ter enganado, dava tudo pelo equívoco, apenas confessado a pessoas muito chegadas.

O imperador morreu. O império vermelho sobrevive. Sem Coluna, mas com a coluna imperial da flama, da garra, da afirmação. Também lhe chamei, uma vez, sol do meio-dia. Na coluna do apreço, do esguardo, da reverência. E agora? Quem é que me vai, gostosamente, tratar por “miúdo”?

IN " DESTAK"
02/03/14


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