28/02/2014

MANUEL TAVARES

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A paz pelo gás 

A guerra civil instalada na Ucrânia assenta certamente em divergências culturais, religiosas e políticas locais, mas seria inocente não avaliar na sua real dimensão os interesses estrangeiros que alimentaram ódios e procuram agora ganhar posições no quadro da solução de paz que está a ser negociada. Esses interesses exteriores são por ordem de grandeza a Federação Russa, a União Europeia e os Estados Unidos da América. 
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Para a Federação Russa, apoiar o atual poder político na Ucrânia é basicamente a fórmula para não dar de mão beijada os corredores por onde transporta o seu gás natural até à União Europeia, bem como as prerrogativas marítimas de que goza no mar Negro e que lhe dão acesso ao Mediterrâneo, o qual permanece como a maior porta para as suas exportações.

Depois de ter apanhado um grande susto com a Revolução Laranja que quase colou a Ucrânia à União Europeia, o acordo de parceria que estava negociado e, ao fim e ao cabo, acabou por ser o motivo próximo desta guerra civil, era para a Federação Russa um protocolo vital para os interesses da sua economia.

Para a União Europeia, por mais que o atual poder russo lhe mereça críticas democráticas, verdadeiramente importante é continuar a assegurar os fornecimentos em gás, de que depende a Alemanha em primeiríssima mão. Ora, um terço desses fornecimentos são transportados através do território ucraniano.

Por isso é que estamos a ver a diplomacia alemã a comandar as negociações para a paz no terreno e com um vigor que não mostrava desde o fim da Guerra Fria.

Sabendo melhor que ninguém que o fim da Guerra Fria em vez de ter criado o paraíso na terra acabou por se transformar num problema europeu, a Alemanha gostaria muito de ver a Ucrânia entre os seus pares da União, mas manda a sua congénita "realpolitik" que tal desígnio político não chegue ao ponto de colocar em xeque o aprovisionamento em energia de que tanto necessita para consumo dos seus cidadãos e das suas empresas. Preferirá, pois, manter o quadro de relações de confiança mútua entre a sua economia e a da Federação Russa.

Por último, os EUA continuam a considerar a Federação Russa como um elemento de duas faces - parceiro dado o seu poderio, mas também adversário temível dada a conflitualidade potencial das ambições geoestratégicas mútuas -, pelo que proclamam alinhar-se com a União Europeia segundo o jogo dos princípios políticos, mas, tal como a Alemanha, gere a sua diplomacia com todo o pragmatismo, o que inclui o conveniente mal menor. Ou seja: com problemas na Síria, no Iraque, no Afeganistão, no Irão [sem esquecer as eternas Coreias], Obama não tem espaço político para uma nova operação militar de grande porte.

Por isto, e não pelos princípios, é que haverá paz.


IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
22/02/14

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