12/02/2014

DANIEL OLIVEIRA

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Devemos mais. 
Crescemos menos. 
Então estamos melhor.

A semana passada o comissário Olli Rehn veio reafirmar a "narrativa" de que se fala: se Portugal tivesse pedido ajuda um ano antes (em 2010) hoje estaria bem melhor. E ainda mais preparado para regressar aos mercados em bom estado. Compreendo o papel destas declarações para efeitos de propaganda. Mas seria bom que tivessem uma relação com os factos. Na "narrativa" deste governo e do senhor Olli Rehn, o resgate aconteceu porque o Estado português se endividou de tal forma que já não podia pagar o que devia. Pelo menos não podia pagar com o crescimento que o País tinha. É isto, não é?

Enão vejamos. Em 2010, a nossa dívida pública correspondia a 94% do PIB. Hoje é 129%. Sabemos que, para a dívida chegar aos 60% do PIB, como nos é exigido, teríamos de ter um crescimento económico médio de 4% nas próximas três ou quadro décadas. Sempre. E sempre com juros da dívida simpáticos. Alguém no seu prefeito juízo acredita nisto? Se a nossa dívida é ainda mais impagável do que era, o que mudou? Dirão, o problema não é a dívida, é o crescimento que a pode sustentar. Perdão, mas em 2010, quando supostamente deveríamos ter pedido ajuda - em contraste com este momento em que vivemos, que até podemos debater se regressaremos aos mercados sem rede ou optamos por um programa cautelar - o nosso crescimento era de 1,94. Em 2013 deve ter caído 1,5 e as versões mais optimistas dizem que cresceremos 0,8 em 2014. Ou seja, o crescimento muito menos prometedor do que em 2010 para garantir a sustentabilidade da nossa dívida. 

 A dívida é maior, o crescimento que a pode pagar é ainda mais anémico. Mesmo o défice, já agora, era mais alto em 2010, mas estava em linha com o défices extraordinariamente altos da generalidade dos países europeus nesses primeiros anos de crise. Quanto à divida privada (das empresas e das famílias), que sempre foi o nosso verdadeiro problema, tirando pequenas variações, nada de substancial mudou. 

O que mudou, realmente, foram as taxas de juro. E foi por causa delas que, em 2011, Portugal foi obrigado a aceitar a intervenção externa.E essas são, de facto, hoje, muito mais baixas. Se bem que estamos a falar de taxas nominais. A queda da inflação a que temos assitido acaba por anular estes ganhos, mantendo as taxas reais quase inalteradas. Seja como for, perante a maior dívida desde que entrámos no euro e um dos piores crescimentos económicos, temos as taxas de juro mais baixas da década. Porque fizemos as reformas estruturais e os mercados, sempre sábios e atentos, apreciaram? Claro que não. Não fizemos qualquer reforma estrutural importante e os mercados estão-se nas tintas para isso. Se os mercados olhassem com atenção para a nossa dívida e para a nossa economia as nossas taxas de juros estariam nos píncaros. Pelo menos, muito mais altas do que em 2010. 

A única diferença para os mercados é que as instituições internacionais, que através do "resgate" assumiram a "tutela" da nossa dívida, garantem uma intervenção externa permanente dos credores - seja por via da troika, de planos cautelares ou de regras europeias - que tirará daqui tudo o que puder tirar para pagar o que devemos. E o mais que ainda vamos dever. Essa é a sua segurança e essa é a razão porque as nossas taxas de juro acompanham muito mais as variações do que acontece na Europa do que em em Portugal. 

Dizer que é isto, e não a recuperação do país, que garante que continuaremos a financiar-nos nos mercados estraga a história de Olli Rehn e do governo. Na realidade, parece que estamos tanto melhor para os mercados quanto pior vamos ficando. Parece não haver problema se devermos mais do que devíamos e crescermos menos do que crescíamos. Desde que cá esteja alguém para transformar o país num produtor para pagar uma dívida que está sempre a ser paga e sempre a crescer. Garantido uma transferência permanente de recursos da nossa economia para os credores. Eternamente, se necessário for. É por isso que não vale a pena continuarmos a enganar-nos com as pequenas oscilações dos juros e de cada pequeno indicador. Ou cortamos o ciclo vicioso (e será doloroso), ou nosso futuro está traçado. Nenhum país saiu do ciclo infernal de dívidas impagáveis sem as reestruturar radicalmente. 

IN "EXPRESSO"
07/02/14

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