03/01/2014

LEONÍDIO PAULO FERREIRA

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Quem ganhará na Síria? 
Siga a pista do petróleo

Muito deve a companhia russa Soyuzneftegaz saber sobre o futuro da guerra síria para assinar um contrato de exploração petrolífera válido por 25 anos com o regime de Assad. E se essa informação vier do Kremlin não fiquemos surpreendidos. Afinal, a empresa é gerida por um antigo ministro da Energia e tem como acionista o Banco Central da Rússia.

Em causa está boa parte dos 1,7 mil milhões de barris de petróleo e 3,4 biliões de metros cúbicos de gás que o instituto geológico dos Estados Unidos calcula haver no Mediterrâneo Oriental, entre Chipre e Israel.
Encontra-se nos fundos marinhos junto da região dominada pela comunidade alauita, aquela a que pertence Assad. E, como feliz coincidência para a Soyuzneftegas, mesmo frente a Tartus, onde existe uma base naval russa há mais de quatro décadas.

Nada é certo no negócio fechado há dias, nem o valor do investimento (15 milhões de dólares, mais 75 numa segunda fase) nem o início da exploração, muito menos se os hidrocarbonetos corresponderão à expectativa. Mas do ponto de vista político, é um sinal de confiança da Rússia no seu aliado no Médio Oriente. E em vésperas da conferência de Genebra sobre o futuro da Síria.

No mínimo, Moscovo está a reafirmar que Assad conta com o seu apoio, no máximo a deixar implícito que, pelos seus cálculos, a guerra iniciada em março de 2011 terminará mesmo com a derrota dos rebeldes.
Que o petróleo ganhe destaque neste conflito na Síria é uma surpresa. Antes da revolta contra Assad, cuja família manda em Damasco há quatro décadas, a produção bastava para as necessidades locais e pouco sobrava para exportar. Nada comparável ao Iraque, à Arábia Saudita ou ao Irão, portanto.

Por isso, ninguém associou a rebelião com a habitual acusação de cobiça pelo petróleo sempre que há guerra no Médio Oriente (lembra-se de os americanos e britânicos derrubarem Saddam? Exxon, BP e Shell voltaram em força ao Iraque). Em causa na Síria estava mais uma revolta da Primavera Árabe, quando muito um levantamento da maioria sunita contra a coligação de minorias (alauitas, cristãos e drusos) que serve de base ao regime criado por Assad pai em 1970.

Depois de Ben Ali, Mubarak e Kadhafi, também Assad parecia condenado. O Ocidente estava contra ele, os árabes também, a Turquia ainda mais. Só Rússia e China impediam condenação pela ONU, apenas Irão e Hezbollah ajudavam a resistir. E quando Obama ameaçou retaliar contra as armas químicas, o fim era tido como certo.

Tudo mudou, mais por influência alheia do que por mérito de Assad, mas pouco importa. Erdogan, na Turquia, tem hoje mais com que se preocupar e as monarquias do Golfo estão assustadas é com as hipóteses de entendimento entre o Irão e a América. Além disso, a diplomacia de Putin trouxe os inspetores da ONU para tratar dos químicos, tranquilizando Obama. E a força da Al-Qaeda entre os rebeldes pô-los a combater uns contra os outros e a perder o acesso a armas que nunca se saberia a que mãos iam parar.

Se Assad vai ganhar? A nova pista do petróleo diz que sim. Como avançou já um ex-chefe da CIA, a sobrevivência do regime até é a menos má dos três cenários, as outras sendo a divisão do país ou a eternização da violência sectária. Absurdo regresso ao princípio, cem mil mortos e dois milhões de refugiados depois. Ninguém assumirá culpas.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
30/812/13


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