15/01/2014

FRANCISCO MOITA FLORES

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A ameaça


Já nos foi roubada tanta liberdade que é preciso reagir com firmeza para que não nos roubem mais um pedaço.


As sucessivas vergonhosas violações do segredo de justiça, levaram a PGR a procurar perceber quais as razões para este estado de coisas que confere à dignidade judicial estatuto de casa de pasto. O relatório terá procurado razões e, no final, faz um conjunto de propostas em que uma delas admite a possibilidade de escutas e buscas a jornalistas para descobrir quem profanou um dever fundamental do processo penal. Não passa de um primeiro passo para o regresso da Censura. Do saber e não denunciar injustiças que danificam a finalidade última do Estado de Direito: sermos um País com um mínimo de asseio.
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O dever de guardar segredo de justiça é obrigação dos funcionários do Estado. Dever de juízes, de procuradores, de funcionários judiciais, de polícias. O dever dos jornalistas é informar com retidão, dar-nos conta do país e do mundo sem preconceito ideológico e político. São deveres distintos e, muitas vezes, antagónicos. Porém, revela a história recente, desde a célebre lei da rolha de Costa Cabral, passando pelas diferentes formas de censura que temos vivido, que a restrição do direito à liberdade de informar resultou sempre na diminuição de valores essenciais da vida da comunidade e protegeu sempre os mais poderosos, os negociadores dos mais escabrosos tráficos.
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Uma sociedade com direitos à informação cortados, sejam quais forem as excepções constitucionais, não tem condições para ser digna. Violar o segredo de justiça é uma dessas indignidades. Porém, quem o viola não é quem o divulga mas quem tem de zelar por ele. E o estado miserável a que chegámos é tal, que não escandaliza a imposição de critérios que permitam escutar e buscar os profissionais, todos eles funcionários públicos, que cometem este crime. Porque são os suspeitos do costume.
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A ser levada por diante a proposta que mete neste saco jornalistas e meios de comunicação social, o problema ganha uma dimensão dramática. Deixa de ser a violação do segredo de justiça que está em causa mas a nossa própria liberdade. Já nos foi roubada tanta liberdade que é preciso reagir com firmeza para que não nos roubem mais um pedaço que só funcionará a favor dos criminosos que transformam o segredo de justiça numa velha prostituta sifilítica. Pois que de criminosos se tratam. E dentro do sistema judiciário. Basta!

Professor universitário


IN "CORREIO DA MANHÃ"
12/01/14



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