Podia ser um filme da série B: imagine-se uma fuga de dois reclusos, algemados um ao outro. Com historiais diferentes, feitios opostos, objetivos de fuga distintos, desconfiados entre si, estão condenados a juntar esforços. No entanto, a tensão entre ambos pode deitar tudo a perder... Inimigos inseparáveis, têm um destino comum - que bem poderá ser o da autodestruição. Pedro Passos Coelho e Paulo Portas podiam protagonizar esta dupla de fugitivos: amarrados um ao outro pelas circunstâncias políticas, mas com historiais e planos de fuga diferentes, feitios opostos, procuram juntar esforços que, por vezes, mais parecem dirigir-se para aniquilação um do outro. 

Paulo Portas não pode romper a coligação, quando a palavra do momento é o "consenso". Todavia, uma a uma, as bandeiras que erguia na oposição vão-se esfarrapando nos ventos da crise. Um a um, os seus protestos internos vão sendo ignorados pelo primeiro-ministro. Mesmo assim, Passos Coelho tem de aguentar as suas discordâncias públicas, as suas conferências de imprensa e as suas declarações ao País: não pode fazer nada. É comer e calar.

Esta semana, estes dois homens chegaram a uma encruzilhada. Embora algemados, um queria ir pela direita, o outro pela esquerda. A corrente não se partiu, mas os pulsos ficaram em carne viva. No momento em que o primeiro-ministro anunciava novas medidas, para substituir as reprovadas pelo Tribunal Constitucional, o n.° 3 do Governo anunciava uma declaração ao País. Os acorrentados reviraram-se nas algemas: o que poderia dizer Portas que não devesse dizer, isso sim, no Conselho de Ministros? E qual o sentido de fazer uma declaração para anunciar algo que deve dizer, isso sim, ao primeiro-ministro, em São Bento? E como acreditar que se passem 48 horas sem que o chefe do Governo pergunte ao seu companheiro de fuga: "E o que é que o meu amigo pretende dizer no domingo?". Acreditar nisto seria concluir que já não temos Governo, que a sua coordenação implodiu de vez e que cada ministro pode estar em plena autogestão política. 

É por isso que o número de Portas cheira a esturro. Pretender convencer os portugueses da sua autenticidade é infantilizá-los. Achar que eles ficaram mesmo convencidos é ser infantil. Portas precisava de uma válvula de escape para, como uma panela de pressão, expelir o vapor. Passos Coelho tinha de dar-lhe qualquer coisa. Inventou-se a (apropriadamente apelidada) "TSU dos reformados e pensionistas" para que Portas pudesse recusá-la em público e dar uma satisfação ao seu eleitorado. Simular uma vitória. Fingir que reforçou a sua influência. A pressa com que o primeiro-ministro aceitou a suspensão da medida indica que já nem vale a pena disfarçar. E é quase certo que a medida alternativa, que Portas terá de apresentar, já deve estar há muito tempo definida por Vítor Gaspar - embora, agora, haja um período de nojo, antes que ela seja divulgada.

Esta forma tosca de fazer política não dignifica os seus protagonistas. O spinning saloio tresanda a amadorismo: Passos ficou mais fragilizado e Portas reforçou a imagem de duplicidade. Condenados a um destino comum, têm de arrastar os grilhões mais um tempo. O carcereiro da troika está à espreita - e a chave das algemas foi deitada fora por Cavaco Silva.

IN "VISÃO"
10/05/13

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