03/12/2013

LILIA BERNARDES

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 A preocupante visão 
de túnel


Olhamos através de um túnel e não conseguimos ver nada do que existe ao redor

“A maioria das pessoas está em modo de alerta automático para assuntos que querem confirmar. Quando acontece o fenónemo é como a visão de túnel”, dizia-me, há dias, um amigo a propósito de uma notícia da Organização Mundial de Saúde (OMS) de que os gregos andavam a autocontaminar-se com o virus da sida para terem acesso a um subsídio de 700 euros e internamento imediato no caso dos toxicodependentes. Horas depois a própria OMS assumiu o erro da denúncia.

Apesar disso, as redes sociais, através do cidadão comum, continuaram a partilhar o falso acontecimento, como se nada tivesse acontecido e sem ligar ao desmentido. E isto tem uma leitura. Achavam que era possível neste quadro de desespero europeu alguém injetar-se com HIV para poder sobreviver por mais uns tempos. O facto de se aceitar que este cenário é realizável é, por si só, uma violência, individual e social. A visão de túnel que não é mais do que a constrição do campo visual que resulta na perda da visão periférica. Olhamos através de um túnel e não conseguimos ver nada do que existe ao redor. A metáfora aplica-se, ainda, a todos os que perante as “evidências” que apoiam as suas conclusões, excluem quaisquer outras que contradizem as suas “certezas”.
 
Portugal vive nisto. Governantes com as “evidências” das suas “certezas” (Portugal está no bom caminho da ida aos mercados) o povo com as “certezas” das suas “evidências” (mais austeridade, mais desemprego, mais pobreza).

O confronto existe. Daí entender o que Mário Soares, na Aula Magna, quis dizer sobre a ameaça de violência que paira neste país, cujas reações primárias (sobretudo a alusão à sua idade) foram caladas no dia seguinte pelo Papa Francisco, no primeiro documento do seu pontificado onde denuncia um sistema económico mundial injusto, um radicalismo liberal perigoso.

O Chefe da Igreja Católica, a Igreja estabelecida por Deus para salvar os homens, alertou que a exclusão e a desigualdade social “provocarão a explosão” da violência. Enquanto não se eliminar a exclusão e a desigualdade social, na sociedade e entre vários povos, será impossível erradicar a violência. Acusamos os pobres [...] da violência, mas, sem igualdade de oportunidades, as diferentes formas de agressão e de guerra encontrarão terreno fértil que, tarde ou cedo, provocará a explosão”, escreveu o Papa. No documento, Francisco critica o sistema económico mundial, que considera não apenas “injusto na sua raiz”, mas que “mata” porque faz predominar a lei do mais forte.

“Como o mandamento de ‘não matar’ põe um limite claro para assegurar o valor da vida humana, hoje temos que dizer não a uma economia da exclusão e da desigualdade. Essa economia mata”, disse o papa.
Até agora não li, nem ouvi, ninguém acusá-lo de incitar à violência, de estar senil ou de ser um reles esquerdista.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
30/11/13

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