22/10/2013

ROSA AREIAS E CATARINA GONÇALVES

.



O rescaldo 
do orçamento 
e da reforma

Como já foi amplamente difundido, este ano foi o ano do IRC, em virtude da apresentação da Reforma deste imposto. Efetivamente, e ainda que possa ser questionado se se trata efetivamente de uma "Reforma", não podemos deixar de apontar a mais-valia de grande parte das alterações propostas, no sentido de aumento da competitividade das empresas e do próprio país ao nível da captação de IDE.

Conhecida a Reforma no dia anterior ao da publicação do Orçamento do Estado, em sede de IRC este limitou-se a introduzir o amplamente aguardado benefício fiscal associado aos lucros retidos e reinvestidos (DLRR), que permite às PME efetuarem uma dedução à coleta do IRC de 10% dos lucros retidos que sejam reinvestidos, em ativos elegíveis, no prazo de dois anos contado a partir do termo do período de tributação a que correspondam os lucros retidos, com o máximo de dedução anual de 25% da coleta.

Mesmo no que aos demais impostos diz respeito, e na medida em que estamos efetivamente perante um orçamento que privilegia a despesa, não são substanciais as alterações propostas, justificando-se aliás o aumento da receita fiscal com o crescimento económico e o combate à fraude e evasão fiscal. De salientar, contudo, as contribuições sectoriais previstas, quer por via do aumento da taxa das existentes, quer pela potencial criação de novas contribuições.

IRC
Ao nível do IRC é de louvar, em prol do aumento da competitividade supra referida e da diminuição dos custos de contexto, a introdução de um conjunto de medidas, tais como a redução da taxa nominal de 25% para 23%, o aumento do prazo de reporte dos prejuízos fiscais de 5 para 12 anos, a criação de um regime simplificado de determinação do lucro tributável e a simplificação de regras no cumprimento de algumas obrigações declarativas. Estas medidas, que nos parecem positivas, apresentam, no entanto, algumas limitações e acabarão por beneficiar menos as empresas do que se esperava.

Assim, desde logo, o regime simplificado apenas será aplicável a uma parte das nossas micro-empresas, na medida em que está limitado às entidades com volume de negócios inferior a € 200.000. Relativamente ao reporte dos prejuízos fiscais, é de lamentar, por um lado, que o aumento do reporte apenas se aplique a prejuízos fiscais gerados a partir de 2014, e, por outro, a diminuição, por exercício fiscal, da percentagem de utilização daqueles, passando a sua dedução de 75% do lucro tributável para apenas 70% do mesmo. Assim, as empresas que tenham prejuízos fiscais reportáveis, e apesar de beneficiarem da diminuição da taxa nominal, irão sofrer um aumento da taxa de tributação efetiva. Ainda nesta matéria, é de louvar, a revogação da norma que implicava a perda dos prejuízos fiscais sempre que era alterada a atividade ou o objeto social da empresa, bem como a explicitação de situações que não ficam abrangidas pela regra da alteração da titularidade do capital em mais de 50% (com a consequente perda dos prejuízos fiscais).

Há, no entanto, algumas regras que poderão levar a um aumento da carga tributária das empresas, nomeadamente, o aumento das taxas de tributação autónoma das viaturas ligeiras de passageiros (as taxas irão variar entre 15% e 35% de acordo com o custo de aquisição da viatura, agravadas em 10 p.p. em caso de prejuízos fiscais), o aumento do valor mínimo do PEC de € 1.000 para € 1750 e a não consideração como gasto fiscal de algumas despesas que até agora o eram. De salientar neste ponto, a diminuição € 3 milhões para € 1 milhão do valor absoluto para efeitos de limitação dos gastos de financiamento líquidos dedutíveis, mantendo-se, no entanto, o limite alternativo da dedução até 30% do resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquido e impostos (conceito esse que passa a ter uma definição fiscal expressa na norma), se superior (bem como o escalonamento previsto no período transitório aprovado no OE 2013).

A intenção de diminuição da litigiosidade está bem patente com a introdução de várias alterações, que vão desde a explicitação das operações de reestruturação (fusões, cisões, etc.) que ficam abrangidas pelo regime de neutralidade fiscal (nomeadamente as fusões inversas), à definição do sujeito passivo quando a neutralidade não é aplicável.

Paralelamente, há um conjunto de medidas que deverão colocar Portugal no radar da competitividade fiscal internacional, como a criação de um regime de holdings (independentemente da sociedade ser uma pura holding ou não) que prevê a exclusão de tributação dos dividendos, mais-valias e menos-valias, relacionados com participações de, pelo menos, 5%, desde que a entidade que gerou o rendimento tenha uma taxa nominal de tributação de, pelo menos, 60% da taxa de IRC. A este nível, de salientar também a introdução de um regime especial para os rendimentos decorrentes da cessão ou utilização temporária de patentes e desenhos ou modelos industriais, sujeitos a registo (registados em ou após 01/01/2014), que passam a concorrer para a determinação do lucro tributável em apenas 50% do seu valor, com determinadas limitações. Visando também incentivar o I&D, propõe-se o alargamento do regime fiscal do SIFIDE II até 2020, assim como a prorrogação para 8 anos (atualmente, 6 anos) do prazo de reporte do benefício fiscal em caso de insuficiência de coleta.

Ao nível do RETGS é de realçar a diminuição da percentagem de detenção mínima para a integração de uma sociedade no perímetro do grupo, que é reduzida de 90% para 75%, passando a constar expressamente na lei a possibilidade de sociedades detidas, em mais de 75%, por intermédio de sociedades residentes noutro Estado Membro da EU ou do EEE, poderem integrar o perímetro do "consolidado" fiscal.

Finalmente, e recuperando uma autorização legislativa constante do OE13, determina-se que a transferência da residência de uma sociedade com sede ou direção efetiva em território português para fora desse território é sujeita a exit tax, mas admitindo-se que o pagamento de imposto possa ser diferido, caso a transferência seja para um Estado Membro da UE ou do EEE, mediante certas condições.

IRS e Contribuições
Em sede de IRS, não há alterações significativas: a tabela de IRS não sofreu alterações, mantendo-se inalterados quer os escalões de rendimentos quer as taxas aplicáveis, bem como os limites das deduções à coleta e dos benefícios fiscais. A sobretaxa de 3,5% mantém-se, sendo ainda duvidoso que o mesmo aconteça relativamente à taxa adicional de solidariedade, dado o caráter temporário desta medida, constante do OE2012, não expressamente revogado, apesar de a sua manutenção ser a intenção expressa no Relatório do OE.

Os prémios suportados pelas entidades patronais com seguros de saúde ou doença, em benefício dos familiares dos trabalhadores, deixam de ser considerados rendimentos sujeitos a IRS, desde que a atribuição tenha carácter geral. Esta medida é simétrica da introduzida em sede de IRC, prevendo agora a dedutibilidade destes gastos, em determinadas circunstâncias.

Por sua vez, uniformizam-se as regras em sede de IRS e IRC relativamente à aplicação do regime simplificado, o qual passa, também em sede de IRS, a ser aplicável a contribuintes com volume de negócios inferior a € 200 milhares.

Note-se que no que respeita às "viaturas de serviço" não houve qualquer alteração ao regime vigente, ao abrigo do qual a atribuição daquelas para uso pessoal dos trabalhadores apenas é sujeita a tributação, caso exista um acordo escrito entre a empresa e o trabalhador. A mudança de paradigma, ou seja, a tributação em sede de IRS desta atribuição poderá, contudo, dar-se pelo aumento das taxas de tributação autónoma de IRC.

Em sede de Código Contributivo, é de salientar que as contribuições dos membros de órgãos estatutários passam a incidir sobre o valor efetivo das remunerações, desparecendo o limite de 12 vezes o valor do IAS (€ 5.030,64.). Esta alteração significará um aumento potencialmente muito relevante das contribuições.

Por sua vez, visando a objetivação do conceito, define-se que são considerados regulares, e como tal sujeitos a Segurança Social, os prémios e outros benefícios se constituírem um pagamento com o qual o colaborador possa contar de antemão e cuja concessão tenha lugar com uma frequência igual ou inferior a cinco anos.

A contribuição de 5% sobre os subsídios de doença por períodos superiores a 30 dias e a de 6% sobre o subsídio de desemprego mantêm-se, mas esta última deixa de aplicar-se em algumas situações consideradas de maior necessidade, por exemplo, quando ambos os cônjuges do agregado familiar aufiram subsídio de desemprego.

No que respeita aos trabalhadores independentes, estes passam a poder optar por efetuar contribuições sobre um escalão que se situe entre os dois escalões imediatamente inferiores ou superiores àquele que lhes é aplicável.

Apesar da polémica, e atendendo ao facto de esta medida não ter sido considerada inconstitucional, propõe-se a manutenção da Contribuição Extraordinária de Solidariedade, a qual é aplicável a todas as pensões devidas pela Caixa Geral de Aposentações, fundos de pensões e seguradoras, Centro Nacional de Pensões e Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores. Ou seja, do âmbito de sujeição, ficam apenas excluídos pouco mais do que os seguros e os produtos de poupança subscritos e financiados exclusivamente por individuais.

IVA e impostos indiretos
Ao nível dos impostos indiretos, e contrariamente ao esperado, não houve qualquer alteração à taxa do IVA na restauração, mantendo-se estes serviços tributados à taxa normal. Por sua vez, não houve também qualquer remoção de bens ou serviços das taxas reduzida e intermédia.

O Governo foi sensível às dificuldades do sector imobiliário, alargando para cinco anos o prazo, que até agora era de três, para a regularização a favor do Estado do IVA que havia sido deduzido ao abrigo do regime da renúncia à isenção nas operações imobiliárias, relativamente a imóveis que não estejam a ser efetivamente utilizados em fins da empresa. Por outro lado, pode dizer-se que continua a saga de alterações legislativas ao "novo" regime dos bens em circulação, aprovado em 2012, e com entrada em vigor sucessivamente adiada, sendo novamente alterados procedimentos, que terão impacto nos sistemas de informação e administrativos das empresas.

Nos demais impostos indiretos, para além do aumento das taxas de IEC aplicáveis a bebidas alcoólicas e tabaco, neste caso visando eliminar um efeito substitutivo entre produtos, foram criadas taxas adicionais de Imposto Único de Circulação (IUC), incidente sobre as viaturas ligeiras de passageiros movidos a gasóleo que podem ascender a € 25 para veículos automóveis da categoria A, e a € 68,85 para veículos automóveis da categoria B.

Cria-se uma Contribuição sobre o Setor Energético de 0,85%, a suportar pelas entidades do sector energético nacional, que incide o valor do ativo fixo, tangível e intangível (com exceção dos que digam respeito a direitos de propriedade intelectual), e não é repercutível nas tarifas de uso. Adicionalmente, prevê-se a manutenção para 2014 da Contribuição sobre o Setor Bancário, com possibilidade de aumento da taxa incidente sobre os passivos até 0,07% (atualmente a taxa é de 0,05%) e de aumento da taxa incidente sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados até 0,00030% (atualmente a taxa é de 0,00015 %).

Património
No que se refere aos imóveis, e na sequência de uma decisão desfavorável à AT em sede de arbitragem, passa a prever-se especificamente que é devido Imposto do Selo à taxa de 1% sobre terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista seja para habitação, de VPT igual ou superior a € 1 milhão. Por sua vez, os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, em fundos de pensões ou em fundos de poupança-reforma, perdem metade da isenção de IMI e IMT.

Relevante também para as operações de reestruturação, a par das alterações já referidas em sede de IRC, é o facto de as condições de possível isenção de IMT, Imposto do Selo e emolumentos, a conceder em caso de reestruturações empresariais, serem relaxadas, potenciando a aplicação deste benefício.

Justiça Fiscal
Ainda na sequência dos objetivos de redução da litigiosidade fiscal, a AT passa a estar obrigada, por lei, a conformar as suas orientações genéricas com a jurisprudência dos tribunais superiores. Adicionalmente, passa a ser admissível recorrer judicialmente da recusa, por parte da AT, em prestar uma informação vinculativa, passando os contribuintes a ter, também, o direito de pedir a um tribunal que aprecie o conteúdo de uma informação vinculativa.

Autorizações legislativas
De salientar ainda um conjunto de autorização legislativas, que vão desde a "lotaria fiscal", como incentivo à colaboração das pessoas singulares na combate à evasão fiscal, à revisão do regime fiscal aplicável aos organismos de investimento coletivo, visando torná-los mais competitivos a nível internacional, criando um regime fiscal neutro, passando a tributação para a esfera dos investidores, até à regulação dos jogos e apostas online.


IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
16/10/13


.

Sem comentários: