15/10/2013

NICOLAU DO VALE PAIS

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Portugal é um poço de petróleo

O discurso moralista conta com alguns patrícios dentro de portas, mas neste momento, está já disseminado por toda a Europa: gastámos mais do que tínhamos, produzimos menos do que devíamos, comprámos mais do que vendemos. No fundo, a lógica é a mesma para justificar a barbárie do atavismo do Estado Novo: o país é pobre. É mesmo? Ou há pobres a mais para tanta riqueza, e essa é que é "a pobreza"?

Politicamente, o país é miserável, isso é certo; como é certo que tal esteja ligado a uma falta de educação cívica e política típica de uma certa insularidade auto-celebratória, e de um instinto de defesa natural de uma jovem democracia; passámos por transformações inimagináveis para, digamos, um alemão nascido nos anos 50, por exemplo. A pobreza mediática absoluta em que vivemos - sinal máximo da corrupção ética de uma certa elite que despreza estrategicamente a imaginação - conduz à pobreza de espírito profunda, representada serão após serão, porta atrás porta, café após café, numa omnipresente televisão. Uma televisão patética e boçal na ficção e no entretenimento, e néscia na forma como usa a informação para dar crédito às demais javardices. Permite-se o crescimento de temáticas de forma randomizada, debatem-se evidências, flagela-se a nação; acho particular graça à forma como quase todos eles falam de um país como se a ele não pertencessem e não fossem - enquanto agentes do poder mediático - por ele responsáveis. Depois deslumbram-se com os independentes, escandalizam-se com os Angolanos e batem na nação que - fazem de conta - não conhecer.

A maior calamidade político-mediática dos últimos anos tem sido a forma irresponsável como se trata o papel Estado; a Economia portuguesa precisa do Estado, e essa, curiosamente, parece ser a única conclusão transversal ao degredo em que nos metemos; digo-o porque por mais porrada que assentemos nos funcionários públicos (que, por caso, até são quem não foge aos impostos neste país, e o verdadeiro porco mealheiro dos sucessivos ministros das Finanças), ou por mais fel que destilemos para cima da iniciativa privada, não nos livramos da Geografia: estamos na ponta do continente, não temos mercado interno e não exploramos energia - o Estado democrático é a única forma eficaz de regular e orientar politicamente uma estratégia nacional de convergência para esta realidade: somos periféricos. Ponto final. E é essa a vulnerabilidade que nos distingue dos nossos congéneres do Euro: só temos uma fronteira. Por sinal, das mais antigas da Europa.

Com uma adaptabilidade internacionalmente reconhecida, uma identidade e coesão culturais em todo o território praticamente irrepetidas na Europa, um clima e solos abençoados, Portugal é rico. Com uma zona marítima exclusiva que é a maior da Europa, uma geração de profissionais abaixo dos 40 anos finalmente qualificados, e uma língua falada por mais de 240 milhões de pessoas, Portugal é um autêntico poço de petróleo por refinar. Mas claro, proclamar a pobreza é que interessa; porque a pobreza por si já desresponsabiliza qualquer medíocre que saiba propagandear-se com ela.

Pois, então, se o país é pobre, gostava que me dissessem o que anda meio mundo a fazer atrás dele. Se o país é pobre, o que andam os chineses a fazer na EDP? Porque se aninha o ministro dos Negócios Estrangeiros perante Angola? Porque não nos deixam há anos explorar o nosso mar e a nossa agricultura? A quem convém a humilhante mentira pública, a narrativa da pobreza e da culpa? Não vos parece tragicamente normal que um país que vive da especulação mediática se afogue nas dívidas da realidade?

No petróleo é impossível nadar; mas também não se vai ao fundo. Em boa verdade, em petróleo ninguém morre afogado. Imersos em petróleo, não se deriva, por causa da espessura do líquido, mas na verdade também nunca se consegue chegar à margem. Há que refinar a nação; não tarda nada, não há quem nos valha.

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
11/10/13

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