08/10/2013

ELISABETE MIRANDA

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Cavaco Silva 
e os masoquistas


Cavaco Silva chamou esta semana masoquistas aos economistas e comentadores que questionam a capacidade do País em pagar os astronómicos juros da dívida pública que temos pela frente. Mas, e o que dizer dos economistas e comentadores que tentam evitar que o debate se faça de maneira informada e transparente? 
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Nos últimos dois anos várias personalidades têm tentado lançar um apagão sobre a delicada questão da reestruturação da dívida, ora desvalorizando-a, ora diabolizando as consequências que decorreriam do próprio debate. As razões são variadas e nem sempre tão bem intencionadas quanto se faz parecer.

Uma das correntes que quer que se faça silêncio em torno desta questão fá-lo invocando o interesse público. Segundo estes comentadores, há temas da vida colectiva que só devem ser discutidos pelas elites, cabendo ao povão tomar conhecimento das magnas decisões através da folha de impostos ou da carta de despedimento. Trata-se de uma posição inaceitável que esconde uma espécie de arrogância de classe por detrás de falsas noções de patriotismo.

Outro conjunto de comentadores acha que se se sussurrar o termo "reestruturação" os mercados descrêem, os juros disparam e a bancarrota abate-se inapelavelmente sobre o País. É um receio que apela ao silêncio em nome de uma espécie de "superstição de mercado".

Um terceiro grupo acha que este é um não assunto porque Portugal está a ter a justa penalização por pecados orçamentais cometidos no passado e que só o pagamento da dívida e de juros penalizadores nos redime. A dívida é para pagar, doa a quem doer, custe o que custar e sem pieguices. Esta apologia do "ai aguenta, aguenta", encerra, ela sim, uma atitude masoquista com boas doses de puritanismo à mistura.

Por fim, surgem os optimistas, que acham o debate inútil porque o País tem hipóteses de crescer sustentadamente no futuro, mesmo num contexto de políticas restritivas, de tal modo que o serviço da dívida se tornará gerível.

Cavaco Silva estará certamente entre os mais bem-intencionados que crêem haver bons sinais que permitirão ao País ir gerindo o fardo da dívida. Mas nesse caso convém que aproveite a sua condição de economista e as suas qualidades de pedagogo para explicar que sinais ou evidências são essas. A dívida pública já ultrapassa os 150% do PIB e consumirá, dentro de pouco tempo, 4,4% do PIB em juros. São mais de sete mil milhões de euros por ano, o equivalente à transferência anual que o Estado faz para o Serviço Nacional de Saúde.

A menos que a economia ganhe um fôlego inesperado, estes juros exigirão que os cidadãos paguem o mesmo nível ou mais impostos a troco de menos serviços públicos e de menos bem-estar social. Suave ou leve, a dívida pública parece ter de ser renegociada, nos juros, nos prazos de amortização, no "stock" ou na combinação destas variáveis. A menos que, como alertou Richard Freeman, um estudioso das reformas nos países nórdicos durante a década de 1990, se pretenda ter países "resumidos a instrumentos de pagamento de dívida".


*Jornalista

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
04/10/13

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