11/10/2013

DAVID DINIS

.









Acerca
da sobrevivência


Não há maneira de cortar nas pensões de sobrevivência sem isso criar um choque na opinião pública – até pelo nome da dita prestação. Sabendo isso, o Governo só piorou essa reacção. Piorou-a porque Paulo Portas apareceu triunfal, na conferência de imprensa pós-troika de quinta-feira, contente com a sua habilidade de substituir cortes drásticos por “pequenas e médias medidas”. Pecou porque isso não é inteiramente verdade e pecou por uma omissão que agora lhe sai cara – tornando evidente que o discurso político do “novo ciclo” chegou cedo demais face à realidade dos factos.

Há um outro problema que deve ser assinalado: o da coerência destes cortes todos. Só falando de pensões, já temos a CES (a taxa que é suposto ser transitória), o aumento da idade da reforma, a famosa convergência dos sistemas público e privado, juntando-se agora esta medida. Sem uma explicação coerente sobre tudo – e sobre como tudo fica – a opinião pública ficará sempre com a impressão de uma casa desconstruída peça a peça, à medida das necessidades. Pior, os potencialmente atingidos ficam sem saber o que lhes cabe ou não.

Dito isto, face à actual situação, não tenho a ilusão de achar que ainda há medidas boas por tomar, daquelas que não custam a ninguém. E acho, salvo melhor explicação dos críticos, que esta medida não é tão gravosa como outras que se perspectivam. Primeiro porque aplicar a chamada “condição de recursos” a quem a recebe (fazendo prova dos seus rendimentos e propriedades) me parece justo, tando em conta que não se trata de uma prestação em que houve descontos directos. Segundo, porque da época da sua criação para hoje o Estado Social cresceu e garante outra rede a quem dela precisar (medidas como o Rendimento Mínimo, por exemplo). Por fim, porque se anuncia um patamar mínimo, antes do qual não há descontos.

Para austeridade, os cortes na CGA parecem-me bem piores.

Errata:
Um eminente deputado da oposição alertou-me, e bem, que a TSU se aplica também à nossa morte. Ou seja, estruturalmente falando a pensão de sobrevivência é de descontos directos. Isso não anula, na minha opinião, a hipótese de alterar o regime, sob pena de protegermos os direitos adquiridos a duas gerações. Depende do como? Claro. Mas isso depende sempre.

IN "SOL"
07/10/13

.

Sem comentários: