19/09/2013

BAPTISTA BASTOS

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Sempre vale a pena
 ler um bocado

O ministro Poiares Maduro tem demonstrado o desejo louvável de agradar ao primeiro-ministro, o qual, diz-se, o escolheu por ser "recomendado", pois nada sabia dos seus talentos. O ministro é desenvolto, sorridente e está cheio de ideias. É-lhe, por exemplo, atribuída a ideia dos "briefings" diários, que deu origem a que o dr. Lomba, ante o silêncio compungido do dr. Marques Guedes, formulasse aquela frase, "inconsistências problemáticas", que custou a função ao secretário do Tesouro, salvo seja. Acresce que Poiares Maduro dá os bons-dias a toda a gente, inaugurando, no ministério, um alvoroço de educação e um bulício de meigos sorrisos.
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Agora, o admirável ministro apareceu com a proposta singular de reformular a RTP, copiando o modelo da BBC. Poiares Maduro deseja que uma entidade "independente" passe a tutelar aquela estação e suas adjacências. Tarefa ingente, cuja natureza crispada não parece impressioná-lo.

Acontece outros poréns. Em política, como na vida, e acrescente lá: como no jornalismo, não há independência, nem imparcialidade e muito menos, Deus nos livre!, objectividade. Os ideólogos destas patranhas nunca leram Hemingway, desconhecem Harrison Salisbury e ignoram os grandes nomes da Imprensa portuguesa, que edificaram, com honra e grandeza, o armorial do ofício. Esses que tais são, habitualmente, jornalistas de terceira ordem, que não sabem executar o seu trabalho e, por isso, dedicam-se ao ensino.

Os que deram cabo da política são parentes próximos dos que atiraram o jornalismo para as ruas da amargura. As coisas têm uma relação de muita proximidade entre si, até na promiscuidade que as envolve. A política era mais nobre? O jornalismo era melhor? Havia, isso sim, a tentativa, por vezes desesperada, de os seus melhores profissionais inverterem a tendência para o desmazelo e para a cumplicidade.

Não tenho dúvida das boas intenções do ministro Poiares Maduro. O pior é o resto. E creio que, lamentavelmente, esta ideia vai seguir a mesma dos "briefings". Há problemas e questões muito mais importantes a requerer a atenção dele e da sua juventude. Deixe-se de peripécias menores, como a de seguir na peugada dos "seniores" do Governo no espancar o PS e o pobre do Seguro. Eles vão, mesmo, para o Governo, talvez mais cedo do que os próprios pretendem. É uma inevitabilidade histórica, decorrente do sistema criado e que nunca amachucara, nem ao de leve, as duzentas famílias que nos mandam, através políticos por elas mantidos e estimulados. Poiares, penso, não foge à regra: é um produto desta total insanidade em que vivemos.

Ao tornar pública a ideia, acaso honesta mas desprovida de sentido lógico, o ministro deveria, porventura, consagrar-se mais ao estudo das nossas raízes culturais, procurar o ensinamento naqueles que recusam o obscurantismo e procuram uma luz, por ténue que seja, nos livros opostos, nos que obrigam a reflectir sem impor. Verificaria que a realidade não é assim tão simples. E que é a complexidade que torna a vida mais fascinante. Houve um poeta, Carlos Queiroz, no outro dia brevemente evocado, que escreveu: "Olhar só as coisas/é fácil e vão/por dentro das coisas/é que as coisas são." Carlos Queiroz não era "progressista", apoiava discretamente o regime de Salazar, e morreu muito novo, de comoção, ao chegar a Paris, sonho da sua vida.

Vale a pena ler um bocado.

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
13/09/13

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