23/08/2013

CARLA HILÁRIO QUEVEDO

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Nadar, comer, dormir

O meu treino diário durante o Verão consistia em controlar a profunda impaciência perante regras absurdas que contrariavam a própria finalidade de ir à praia

Sou do tempo em que tínhamos de esperar três horas e meia entre fosse o que fosse que comêssemos na praia e um banho de mar. Qualquer pãozinho de nada era motivo de enorme angústia. "Agora fica aqui sossegada uma hora." "Mas, avó, foi só um pêssego." Verdade seja dita, nunca era só um pêssego. As refeições na praia eram de faca e garfo, em termos que eram trazidos dentro de cestas. Apareciam misteriosamente ao fim da manhã, na altura em que começava a ficar calor, a minha hora preferida do dia, também a pior, a dos escaldões, das insolações e das doenças. Era no momento em que estar dentro de água era a maior felicidade do mundo que o prazer era interrompido. Quase nunca tinha fome, sobretudo não ali, àquela hora, com o mar mesmo à frente.

Depois do almoço de faca e garfo, babete e tudo, não fosse o arroz de frango cair na pele besuntada de protector solar, era dado início ao maior pesadelo de que me lembro na minha infância: a hora da sesta. O meu treino diário durante os meses de Verão consistia em controlar a profunda impaciência que sentia perante regras absurdas que contrariavam a própria finalidade de ir à praia. Íamos à praia porque gostávamos, claro, mas não era esse o fim. A causa era estar dentro de água, nadar, mergulhar, combater as ondas, ficar com os dedos engelhados das horas infinitas que ali passávamos e de onde só saíamos para fazer castelos de areia à beira-mar. Não nos afastávamos da água porque era bom vermos os castelos transformados em papas de areia, levados pelas ondas. A destruição dos castelos construídos num sítio onde nada se poderia manter de pé era o prelúdio a mais uma hora dentro de água, sem ter frio. Nunca tínhamos frio, nem quando ficávamos com os lábios roxos.

A praia de manhã era boa e à tarde também. Mas as horas do calor passadas à sombra, à espera, eram um enorme tédio. Ainda hoje fico admirada quando um adulto me diz que gosta de dormir a sesta. Um homem ou uma mulher feitos, que podiam passar dias inteiro de molho no Atlântico... Quando podiam estar a nadar, a chapinhar, a molhar a cabeça, a ir até às rochas debaixo de água. Olha agora sem respirar! Ou se calhar não podiam. Percebi há tempos que não posso, não aguento estar tanto tempo na água como quando tinha sete anos. É uma injustiça clássica. Logo agora que ninguém me obriga a dormir a sesta. Logo agora que um pêssego é só um pêssego. Percebemos há dias que um amigo nosso inventou um estilo rápido e eficaz de mergulhar na piscina. Os filhos pequenos imitavam-lhe o estilo. Ia a correr pelas escadas, mergulhava e saía a correr, ainda mais depressa do que entrara. Os miúdos, que entravam na água às dez da manhã e saíam às sete da tarde, riam daquela rapidez. Nós também. A diferença é que as crianças riam e ficavam de molho; nós ríamos e copiávamos o estilo de mergulho do nosso amigo.

Apesar de as crianças de hoje já não participarem em banquetes de praia e terem mais liberdade para se tornarem peixinhos nos meses de Verão, ouvi há dias na praia um saudoso "Quanto tempo falta, avó?". "Uma hora e meia", respondeu a senhora, com aquele tom de paciência carinhosa e infinita. Talvez ainda exista uma minoria que precisa das três horas e meia de digestão.

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17/08/13

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