23/07/2013

FILIPE LUÍS








O 'mènage a trois' de Cavaco

Cavaco sugeriu um mediador de reconhecido prestígio. Há uma figura com essa autoridade: um Presidente da República. Talvez por isso se tenha falado de Eanes...

Três partidos, um desejo. Este podia ser o título do filme que Cavaco Silva realizou, com a sua hermética declaração de 10 de julho. O Presidente da República, em vez de convocar eleições enquanto é tempo - ou seja, enquanto nos abrigamos sob o guarda-chuva da assistência financeira - guarda-as para 2014, já após a saída da troika, e quando já estivermos entregues aos bichos... perdão, aos mercados. Ou, em vez de aceitar a solução de Governo que Pedro Passos Coelho lhe apresentou, prefere a solução impossível de um acordo entre PSD, PS e CDS. O improvável mènage a trois. E tudo porque Paulo Portas como súper vice-primeiro-ministro, "só por cima do meu cadáver". 

Impossível, disse José Sócrates, na sua intervenção dominical na RTP. A palavra do novo patriarca do PS pesa como chumbo. Encolhido, António José Seguro responde com uma obediente votação favorável à moção de censura dos Verdes, ao mesmo tempo que finge negociar com o Governo, isto é, como diz Carlos Zorrinho, "com todos os partidos". Mas, para o Presidente da República, um segundo resgate é mesmo inevitável, com ou sem eleições. Já agora, assim como assim, mais vale lavar as mãos e atribuir o odioso desse destino à irresponsabilidade dos partidos que, esquecidos do "interesse nacional", não souberam entender-se. Safa!

O Governo quis enforcar-se e, já com a corda ao pescoço, arrependeu-se. Quando esperava que o Presidente cortasse a corda, Cavaco deu um pontapé na cadeira em que o enforcado apoiava os pés. Mas há um mas: ou o PR engole as suas palavras, volta à primeira forma, e aceita a solução de Passos Coelho, ou... engole as suas palavras e convoca, mesmo, eleições. Mas se era para dissolver a Assembleia da República, porque não fez isso logo? Bem, o "antipolítico" Cavaco, o "simples professor", marca a sua diferença face aos "políticos profissionais". Ele fez tudo o que estava ao seu alcance... 

Mas suponhamos que os partidos, contra todas as previsões, se entendem, mesmo, num "compromisso de salvação nacional". Nesse caso, porque não se cumpre a legislatura por inteiro, até 2015, em vez de a interromper para o ano? E se, como deseja Cavaco, o compromisso é para continuar após as eleições, para quê incomodar os portugueses, chamando-os às urnas? Mais. O argumento de Cavaco para não convocar eleições, agora, baseia-se no facto de só termos Orçamento, "na melhor das hipóteses", em março de 2014. Ora, que virtudes há na convocação de eleições no outono de 2014? Já nos mercados, e sem a "proteção" da troika, só teremos OE, na melhor das hipóteses, em março de 2015, não é? Não faz sentido. E qual o primeiro-ministro que aceita, agora, ser uma espécie de Maria de Lurdes Pintasilgo de Cavaco, até junho do próximo ano? 

Cereja no topo do bolo: o PR sugeriu um mediador de "reconhecido prestígio" para pôr os partidos de acordo. Só estou a pensar numa figura com essa autoridade: um Presidente da República. Talvez por isso se tenha falado tanto de... Ramalho Eanes.


IN "VISÃO"
19/07/13

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