10/07/2013

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Juíza cita Gato Fedorento para votar contra absolvições no caso Taguspark

Juíza usou sketch humorístico para mostrar que em casos de corrupção é preciso interpretar escutas e fazer uso da prova indirecta

Juíza que deu o voto de vencida no caso Taguspark defende que ficou demonstrado em julgamento que Rui Pedro Soares, Américo Thomati e João Carlos Silva cometeram um crime de corrupção passiva para acto ilícito e deviam por isso ter sido condenados numa pena de prisão não inferior a três anos. Que poderia até ser suspensa, desde que estes pagassem "ao erário público o prejuízo causado com o pagamento ao jogador Luís Figo" como contrapartida pelo "apoio político-partidário" a Sócrates "nas eleições legislativas de 2009".

Na declaração de voto que consta da sentença a que o i teve acesso, a juíza do colectivo do Tribunal de Oeiras chega mesmo a citar uma expressão usada pelos humoristas Gato Fedorento num sketch alusivo às escutas telefónicas a Valentim Loureiro - "Quero corrompê-lo e bem" - na tentativa de mostrar que a conclusão de culpa em escutas telefónicas de casos de corrupção não pode ser feita apenas quando os intervenientes referem "assumida e directamente" expressões como "negócios ilícitos", "pagamentos" ou "corrupção". Este é um dos exemplos dados pela magistrada de Oeiras para sustentar porque não concordou com a decisão das colegas, que optaram por absolver os três arguidos. A maioria do colectivo concluiu que não poderia haver condenação por corrupção passiva porque os indícios que resultam das transcrições das escutas telefónicas "não foram corroborados em julgamento" e porque aquele crime pressupõe "aceitação ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial" e esses indícios de promessas ou subornos não foram apurados.

Rui Pedro Soares e os dois ex-administradores do pólo tecnológico de Oeiras podem até não ter confessado os factos, e as testemunhas podem também não o ter admitido "de forma directa", mas não era de esperar que o fizessem, diz a magistrada. Além disso, neste tipo de criminalidade, insiste a juíza, "não existem vítimas/ofendidos específicos que prestem em tribunal o seu depoimento com conhecimento directo e presencial dos factos". Sendo assim, o que resta é recorrer "à prova indirecta" e "às regras da experiência comum". Para sustentar esta tese, a magistrada cita acórdãos da Relação de Lisboa e do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que vão no mesmo sentido: "A prova nem sempre é directa, de percepção imediata; muitas vezes é baseada em indícios", lê-se no acórdão do STJ.

Assim, a magistrada não ficou com dúvidas de que "os arguidos obtiveram o apoio político-partidário do jogador de futebol Luís Figo à campanha legislativa de 2009 mediante a celebração de um contrato de patrocínio publicitário firmado entre o referido jogador e o Taguspark e que garantia àquele o pagamento, pelo período de três anos, do montante global de 750 mil euros". E que esse contrato "não correspondeu a qualquer interesse comercial da empresa Taguspark", tendo sido determinado por "interesses contrários" à empresa de capitais maioritariamente públicos.

Apesar de em julgamento Rui Pedro Soares ter negado qualquer intervenção no apoio público dado por Figo a Sócrates, e qualquer intervenção na contratação do ex-futebolista pelo Taguspark, a magistrada concluiu que as suas declarações "não só não foram confirmadas pela demais prova produzida em audiência" como até "foram infirmadas". Como tal, alguns factos que constavam da acusação da 9.a secção do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa deveriam ter sido dados como provados.


Na opinião da magistrada, ficou demonstrado que Rui Pedro Soares encomendou um estudo de popularidade de figuras públicas relacionado com o sentido de voto dos portugueses e depois interveio no apoio de Figo a Sócrates. Apesar de Luís Figo ter alegado que já não se recordava de quem tinha sido o interlocutor, a juíza considerou "absolutamente inverosímil" que este não se recordasse da sua identidade. Além disso, o argumento usado por Rui Pedro Soares - de que os contactos que manteve com Figo diziam respeito a negociações com a PT - também não colheu frutos, já que Zeinal Bava não só disse desconhecer esse interesse como chegou a afirmar que Figo dificilmente "seria sondado para ser figura" de uma campanha da empresa de telecomunicações.

As declarações em julgamento de Thomati e João Carlos Silva, conjugadas com as escutas telefónicas nascidas do processo Face Oculta, foram suficientes para que a magistrada também não se deixasse convencer pelos seus depoimentos. Ambos disseram que o contrato com Figo foi pensado para contrariar a quebra das receitas do parque tecnológico. Acontece que não houve qualquer plano promocional "à excepção de um filme" e "o valor de 250 mil euros por ano que o Taguspark se obrigou a pagar ao jogador excedia manifestamente o orçamento" para o marketing. As contradições, aliadas à circunstância de os accionistas do Taguspark desconhecerem que Figo "tinha cedido ao parque todos os seus direitos de nome, voz e imagem" seis meses depois da assinatura do contrato convenceram a juíza de que o negócio não foi "lícito".

Argumentos da juíza vencida
Rui Pedro Soares
•  As conversas telefónicas entre este e o seu assessor Paulo Penedos, ou entre Penedos e João Carlos Silva, foram um dos elementos decisivos paraa juíza formar a convicção de que deveria ter sido condenado.
•  Juíza está convencida de que o ex-administrador foi quem encomendou um estudo de popularidade relacionado com o sentido de voto dos portugueses, já que o autor do estudo mal o conhecia e Zeinal Bava, ex--presidente executivo da PT, atestou que “não o pediu” nem tenciona pagá-lo.
•  É “inverosímil” que Figo não se recorde de quem foi o interlocutor das conversas para o apoio a Sócrates. As escutas e os depoimentos testemunhais, diz, “demonstram cabalmente quem foi o negociador”.
•  Numa das escutas Rui Pedro Soares informa  Penedos de que vai a Milão porque o Taguspark ia associar a sua imagem a Figo. Os emails mostram também que recebeu a entrevista de Figo ao “Diário Económico” no dia anterior à publicação, não tendo sabido “explicar a razão desse envio”.

Os outros arguidos
•  Para a magistrada,as escutas mostram a “concertação de intenções entre João Carlos Silva e Américo Thomati e adivisão de tarefas”.
•  A estrutura accionista desconhecia o contrato.
•  Valor do contrato era demasiado elevado para uma empresa com quebra de receitas.

* E fez-se justiça, obrigada pelo seu testemunho sra. juíza.

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