10/07/2013

ANA CRISTINA PEREIRA

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Absurreal

 Era desejável que pelo menos Cavaco Silva tivesse algum discernimento

Não vou escrever sobre isso. Rui Tavares tem toda a razão: “Não há palavras já inventadas que descrevam esta nova situação: absurreal, alucinática. Seria grotescómica se não fosse suicidente.”
Perante a demissão do braço direito do Governo, Vítor Gaspar, a escolha de Maria Luís Albuquerque para ministra das Finanças, o pedido de demissão do líder do segundo partido da coligação, Paulo Portas, a recusa do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, a tomada de posse de Maria Luís Albuquerque, a reacção do Presidente da República, Cavaco Silva, e o recuo de Paulo Portas, estou, repescando outra palavra usada por Rui Tavares no Público, “boquiatónica”.

Julgava não ser possível pior do que a tomada de posse do Governo de Santana Lopes. Lembra-se de Teresa Caeiro, “filha e neta de militares”, apontada a meio da tarde como secretária de Estado adjunta do ministro da Defesa e dos Antigos Combatentes, assumir a pasta das Artes e do Espectáculo?

Muitos dos que fizeram a defesa da estabilidade governativa como via de sentido obrigatório para o país regressar aos mercados em Junho de 2014 dizem agora que o mais sensato é convocar eleições. Já não dá para fazer de conta: não há estabilidade, nem credibilidade – nem confiança, nem investimento, nem crescimento. Nos últimos dias, a meta passou de dificílima a questão de fé.
Era desejável que pelo menos Cavaco Silva tivesse algum discernimento, nem se pedia muito, o suficiente para dizer “basta”, mas não. Talvez se identifique com o “absurreal”.

Nunca fez um discurso de recusa de demissão, como Pedro Passos Coelho, mas desmaiou em 1995, na Sala dos Embaixadores do Palácio da Ajuda, ao passar o lugar de primeiro-ministro a António Guterres. 

Não, não vou escrever sobre isto. O meu amigo Manel tem razão. É Verão. Está um calor dos diabos. Tenho de pensar em temas próprios para a época, em qualquer coisa que não ponha as pessoas com vontade de fugir, como o Governo, o Presidente da República, os juros da dívida, a ditadura dos mercados a asfixiar a democracia desejada – humanizada, participada, praticada. Vou ligar à minha mãe e perguntar como estão os preparativos para o arraial dos Lameiros. 

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
07/07/13

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