10/06/2013

HELENA CRISTINA COELHO

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As comadres da ‘troika’

O estado de espírito da ‘troika' começa perigosamente a ficar parecido com o da coligação do Governo: seguem todos no mesmo barco mas, volta e meia, há um que decide remar num sentido contrário e desorientar o rumo. É mais ou menos isso que parece estar a acontecer com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Comissão Europeia. Primeiro, foi o FMI que, esta semana, assumiu ter avaliado mal a situação da Grécia e que, à conta desses lapsos, acabou por subestimar os danos que as suas exigências causariam à economia helénica. Um ‘mea culpa' reforçado com acusações a Bruxelas, que acusa de ferir o crescimento económico europeu com a sua preocupação cega em cumprir programas de ajustamento, mais do que em avaliar e ajustar o impacto dessas políticas severas. Aborrecida com os ataques do seu parceiro de ‘troika', a Comissão Europeia respondeu com um "nem pensar", tudo se fez a bem do crescimento económico e criação de emprego nos países a quem deram a mão - e emprestaram o dinheiro a troco da sua autonomia: Grécia, Portugal, Irlanda e Chipre.

É provável que os dois tenham razão. Enquanto o FMI acredita que, ao avaliar mal o problema, ajudou a destruir a economia grega, Bruxelas defende que todas as medidas e punições aplicadas tinham como objectivo salvar a zona euro, impedindo que a saída da Grécia resultasse num contágio fatal para toda a região. Só que, na verdade, se o FMI tivesse seguido os seus critérios e padrões habituais, é possível que a Grécia nunca tivesse recebido todo o dinheiro do resgate. E, se Bruxelas não tivesse imposto metas assim que passou o dinheiro para as mãos dos gregos, provavelmente eles continuaram a boicotar as reformas estruturais no país, a gastar acima do suportável, a maquilhar as contas públicas, a fazer de conta que bastaria um ou outro empréstimo dos amigos europeus para voltar ao sítio.

Por tudo isto, é provável que os dois tenham razão. Mas também parece certo que todos cometeram erros pelo caminho. O FMI já admitiu há uns meses que, ao fazer as contas ao impacto da austeridade em países intervencionados, descobriu que os danos no crescimento económico são bem maiores do que o inicialmente previsto. Agora reconhece um novo ‘mea culpa'. E a Bruxelas também não ficaria mal admitir que a cegueira burocrática no cumprimento das regras leva a asfixias e atropelos dos quais um país pode nunca mais recuperar.

Mais do que uma zanga de comadres, esta aparente contradição entre as instituições lideradas por Christine Lagarde e Durão Barroso revela o que a Europa se tornou: uma casa onde manda quem tem dinheiro, mas onde nem sempre se tomam as decisões certas. O preocupante - e grave - é que a história dos países se constrói a partir destas casas, a partir das benesses e das exigências que lhes apresentam. As grandes decisões políticas, como as que foram tomadas nos últimos dois ou três anos, foram motivadas e empurradas pelas orientações de FMI, Comissão Europeia, Banco Central Europeu. Basta uma estar errada e não ser corrigida a tempo, e é toda uma história, um futuro, uma série de gerações que ficam hipotecadas.

Claro que, depois do engano feito, é fácil chegar de dedo em riste e lançar um "eu bem avisei". Mas assumir os erros é uma atitude nobre e, se abrir as portas a uma revisão sensata e partilhada de políticas, deve ser encorajada. É a essa porta que o Governo português deve bater agora e batalhar por uma flexibilização das metas. E não aceitar que a ‘troika' continue a impor uma fórmula que se resume a um ‘fizemos asneira, pedimos desculpa pelo incómodo, a austeridade segue dentro de momentos'. Isso não pode continuar a ser opção.

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
07/06/13

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